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Aumento da intervenção do Estado prejudica economia, diz investidor Ruchir Sharma

Presidente de uma das maiores gestoras de patrimônio do mundo revela por que não traz seus cheques para o Brasil

Oferecimento de Atualizado em 6 nov 2024, 12h02 - Publicado em 1 nov 2024, 06h00

O economista, banqueiro, investidor e escritor indiano Ruchir Sharma faz uma provocação instigante no livro What Went Wrong With Capitalism (“O que deu errado com o capitalismo”), ainda sem previsão de lançamento no Brasil. Nele, Sharma aponta os fatores que, em sua visão, deturparam o melhor sistema econômico já criado. Entre eles, cita os subsídios generosos concedidos pelos governos a empresas em dificuldades, o protecionismo regulatório, a intervenção sem limites do Estado e a concentração excessiva de poder nas mãos de um pequeno grupo de grandes companhias. “Vivemos uma era que chamo de zumbificação do capitalismo”, disse Sharma a VEJA. É bom dar ouvidos ao que ele diz. Sharma é presidente da empresa de gestão de patrimônio Rockefeller Capital, uma das maiores do mundo, com 122 bilhões de dólares em ativos sob gestão, além de ser fundador da Breakout Capital, escritório de investimentos focado em mercados emergentes. Seus cheques polpudos buscam oportunidades mundo afora. Na entrevista a seguir, ele explica também por que o Brasil saiu do radar dos maiores investidores internacionais. Confira os principais trechos da conversa.

Em seu livro mais recente, o senhor critica o aumento da intervenção governamental na economia. De que forma isso é prejudicial para os países? O que destaco no livro não é apenas o estímulo econômico em si, mas todo um conjunto de práticas governamentais. Isso envolve a regulamentação, o hábito de salvar empresas privadas e o fato de, no exemplo dos Estados Unidos, o Federal Reserve, o Banco Central local, estar excessivamente envolvido na manipulação do ciclo econômico. Esse conjunto de ações governamentais é o que aponto como uma das possíveis razões para os resultados distorcidos que estamos vendo no sistema hoje em dia.

Que resultados distorcidos são esses? As distorções incluem o crescimento lento da produtividade, especialmente no mundo ocidental. Também há uma concentração de poder nas mãos das grandes empresas, que continuam a se expandir, enquanto, na base, assistimos ao que chamo de zumbificação do capitalismo.

O que seria isso? Muitas empresas que não deveriam sobreviver estão sendo mantidas artificialmente, sustentadas por políticas de dinheiro fácil e apoio implícito dos governos. É um equívoco. Essas distorções acabam comprimindo o espaço para os pequenos e médios negócios, enfraquecendo a classe média e criando um sistema cada vez mais concentrado e desigual.

Como essas distorções podem ser resolvidas? O primeiro passo para corrigir um problema é diagnosticá-lo corretamente. O crescimento desacelerou, a produtividade caiu e, no caso particular dos Estados Unidos, a maioria das pessoas sente que o sistema não está funcionando para elas. A solução é óbvia, embora difícil de implementar. O governo precisa recuar, em vez de oferecer apoio a todos indiscriminadamente. O que me parece revoltante é o que chamo de socialismo para os ricos, algo ainda mais perturbador. Como pode o governo socializar as perdas de grandes bancos ou indivíduos ricos? Por que o governo deveria se envolver nessas questões?

“Muitas empresas que não deveriam sobreviver estão sendo mantidas artificialmente, sustentadas por políticas de dinheiro fácil e apoio implícito dos governos. É um equívoco”

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O excesso de intervenção governamental é um dos motivos para o que o senhor chama de falha do capitalismo? A solução que muitos estão propondo envolve mais intervenção governamental — mais subsídios, mais gastos, mais créditos fiscais — e um aumento da presença do Estado na economia. Com isso, os déficits continuam crescendo, a participação dos gastos governamentais no PIB aumenta e a cultura de resgates financeiros, algo sobre o qual tenho uma posição muito crítica, torna-se mais arraigada na economia. O que estou tentando destacar é que precisamos, antes de mais nada, diagnosticar o problema corretamente. Se o diagnóstico estiver errado, a solução também será.

Um dos capítulos de seu livro aborda a cultura de resgates financeiros. Por que o senhor considera essa estratégia um equívoco? Até a década de 1970, os Estados Unidos, que sempre foram o farol do capitalismo, nunca haviam acreditado em resgatar empresas privadas. A partir daí, os resgates começaram a aumentar gradualmente, culminando no ano passado com o salvamento do Silicon Valley Bank e do Signature Bank. Hoje, existe uma promessa implícita de que o governo vai socorrer qualquer um que enfrente problemas econômicos. Eu acredito que isso dá uma espécie de carona grátis, e não merecida, para aqueles que estão dentro do sistema.

O senhor considera um exagero o otimismo de alguns economistas em relação ao Brics? Escrevi há doze anos que as expectativas para o Brics estavam superestimadas. Desde então, minha visão se manteve pessimista. Sempre fui muito cético especialmente em relação ao Brasil e à Rússia, e também mantive certa desconfiança quanto à China. Observando a situação atual, continuo sem grandes esperanças para o Brasil e a Rússia do ponto de vista econômico. De todo modo, a China se consolidou como a segunda maior economia do mundo.

Existe algum país do Brics em que enxerga bom potencial? Atualmente, o único país que ainda apresenta uma situação relativamente favorável é a Índia, que continua crescendo de 6% a 7% ao ano. Em um cenário global com avanço econômico em torno de 2,5%, países que conseguem crescer acima de 5% representam boas oportunidades de investimento. Assim, a Índia, em termos relativos, ainda está em uma posição favorável. No entanto, o conceito de Brics como um bloco econômico relevante está ultrapassado.

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Por que mantém uma visão cética sobre o Brasil? Há empresas de alta qualidade no Brasil, especialmente nos setores de finanças, consumo e novas indústrias. Contudo, o que impede os investidores de alocar mais capital no Brasil é a percepção de que a dívida é insustentável. A manutenção de déficits elevados é alarmante, enquanto a incerteza política que paira sobre o governo Lula também gera preocupação. No cenário atual, não se sabe exatamente o que esperar, e isso aumenta a incerteza. Em minha abordagem, utilizamos um framework de dez regras para avaliar países. Quando analisamos o Brasil, notamos que aspectos como política e intervenção estatal têm um desempenho muito negativo.

A sua desconfiança se estende à América Latina? A América Latina está enfrentando um período crítico. Nos últimos cinco anos, o crescimento da renda per capita na região tem sido quase nulo. O Brasil está um pouco melhor que a média, em parte devido a seu setor agrícola robusto e a benefícios decorrentes da exploração de petróleo, que ajudaram a elevar o PIB. Apesar disso, a América Latina continua sendo uma das regiões mais desapontadoras do mundo em termos de crescimento econômico, com a renda per capita estagnada.

Existe algum ponto positivo na economia brasileira? Sim, há uma boa demografia e uma sólida qualidade empresarial. Apesar dessas vantagens, é difícil justificar novos investimentos, principalmente devido à cultura de intervenção estatal que persiste. O gasto público como proporção do PIB continua extraordinariamente alto, e a dívida é preocupante. Além disso, a interferência política torna a tomada de decisões complexa demais.

Quais setores ou áreas no Brasil oferecem as melhores oportunidades de investimento? Um dos setores mais destacados é o agrícola, pois poucos países conseguem fazer com que a agricultura seja uma contribuição significativa para a economia. Além disso, a qualidade das empresas no Brasil me leva a ressaltar o setor financeiro, incluindo as fintechs, que têm um desempenho muito impressionante.

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Apesar de seu ceticismo em relação ao Brics e à América Latina, o senhor demonstra otimismo com países emergentes. Poderia destacar algum? O sul da Ásia apresenta enorme potencial de crescimento. Estou particularmente otimista com países como Vietnã, Indonésia e Filipinas, nesta ordem de preferência. Na Europa, a Polônia se destaca como um exemplo notável, com potencial para se tornar o próximo país desenvolvido, um feito que poucas nações conseguem alcançar. Além disso, a Grécia tem mostrado um notável processo de recuperação, o que a torna outra história muito interessante.

O senhor acredita que o dólar continuará a ser a moeda dominante no sistema financeiro global nos próximos anos? É muito difícil alterar essa situação. No entanto, algumas mudanças estão em andamento. Na China, estão tentando diminuir a dependência do dólar nas transações. Desde que os Estados Unidos impuseram sanções contra a Rússia, muitos países estão buscando reduzir sua dependência do dólar, pois não querem ficar à mercê dos Estados Unidos. Isso pode explicar por que o ouro e até mesmo as criptomoedas, como o bitcoin, estão se tornando alternativas viáveis.

“O que impede os investidores de alocar mais capital no Brasil é a percepção de que a dívida é insustentável. A manutenção de déficits fiscais elevados também é alarmante”

O senhor está dizendo que o dólar passará por um declínio? Será um declínio lento nas próximas décadas. Esse processo será gradual, sem grandes choques, porque transformações de tal magnitude levam muito tempo para se concretizar.

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Recentemente, o senhor revelou que retiraria seu capital dos Estados Unidos para investir em mercados emergentes. O que está por trás dessa mudança de perspectiva? Acredito que o dólar americano está sobrevalorizado e que a situação fiscal nos Estados Unidos inevitavelmente terá de se ajustar. No passado, eu era bastante otimista em relação ao país, inclusive escrevi sobre isso. Atualmente, o foco está todo em tecnologia e inteligência artificial, com muitos ainda apostando no crescimento sólido da economia americana. O que mantém tanto capital nos Estados Unidos é o crescimento relativamente rápido da economia, impulsionado tanto pelo setor tecnológico quanto pelo financiamento via dívida governamental. Mas acredito que esses fatores não são sustentáveis no longo prazo.

O que um país como o Brasil deveria fazer para atrair mais capital estrangeiro? É fundamental oferecer inflação controlada e boas perspectivas de crescimento econômico. Esse cenário atrai investimentos estrangeiros, o que, por sua vez, fortalece a moeda local. No entanto, países como Brasil e México ainda enfrentam problemas com suas moedas, em parte por causa de déficits fiscais elevados, o que dificulta o controle da inflação. Portanto, para alcançarem maior estabilidade cambial, são necessárias uma disciplina fiscal mais rigorosa e uma confiança maior na sustentabilidade da dívida.

Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917

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