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Alexandre Silveira: “Sem extremismo no debate, o equilíbrio é possível”

Ministro de Minas e Energia fala em conciliar desenvolvimento e meio ambiente e defende o controle estatal das empresas do setor de energia e petróleo

Por Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 10h14 - Publicado em 14 jul 2023, 06h00

Alexandre Silveira fala com entusiasmo de temas como energia limpa e renovável, transição energética e descarbonização. Ele reconhece que uma das principais prioridades do governo Lula é a preservação do meio ambiente, mas ressalta que essa pauta tem de ser conciliada com o desenvolvimento econômico e a redução da desigualdade, que ainda demandariam, em alguns casos, medidas contestadas por ambientalistas, como a possibilidade de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. O caso colocou em lados opostos Silveira e a ministra Marina Silva, a quem ele elogia diretamente, sem deixar de destacar, no entanto, que políticas públicas não devem ser debatidas com base em tabus ou dogmas ideológicos. Ex-deputado e ex-senador, filiado ao PSD, o ministro costuma dizer que seu prestígio com Lula decorre do fato de ele dizer o que pensa, e não o que o chefe quer ouvir. Não parece ser uma tarefa difícil. Como o presidente da República, Silveira defende uma presença forte do Estado em setores estratégicos, a tentativa de revisão de pontos da privatização da Eletrobras e a distribuição de cargos, para garantir a formação de uma base aliada no Congresso. A seguir, os principais trechos da entrevista, na qual o ministro afirma que Lula chegará em situação confortável para disputar a reeleição.

Logo no início do terceiro mandato de Lula houve a reedição do embate entre os ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, que marcou os governos anteriores do presidente. Isso será uma tônica da nova gestão? A preservação ambiental no Brasil é uma grande prioridade do governo Lula, sem perder a clareza de que temos de compatibilizar essa prioridade com o desenvolvimento econômico e a redução da desigualdade social. Esse equilíbrio é possível? Claro que é, se não houver extremismo no debate das políticas públicas. E se nós também não formos subservientes com os países desenvolvidos, que muitas vezes nos veem ainda como quem serve o planeta tão somente para ajudá-lo a ficar mais limpo e sustentável, sem receber qualquer contrapartida por isso. É inevitável: nós seremos o maior celeiro de energia limpa e renovável, mas não abriremos mão de contrapartidas objetivas que acelerem o nosso desenvolvimento econômico-social.

Houve tabu no debate sobre a possibilidade de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas? Todos nós acreditamos em energia limpa e renovável, mas ninguém em sã consciência pode achar que já podemos prescindir dos combustíveis fósseis. Para dar certo num país heterogêneo com as dimensões territoriais do Brasil, um governo tem de estar aberto ao debate, desde que não parta de tabus nem de questões ideológicas. Na minha modesta opinião como brasileiro e como responsável pelo ministério, digo que, se o governo abrir mão de pesquisar essa região para saber a sua potencialidade, ele estará dizendo não à última fronteira de exploração de petróleo no Brasil, com a possibilidade de estar perdendo também um grande potencial de gás. Se a decisão for não fazer, a história escreverá que nós retardamos o nosso processo de desenvolvimento econômico num governo que tem como prioridade número 1 combater a desigualdade.

“Lula é o grande defensor do projeto de preservação ambiental, mas não fechará os olhos para a necessidade de exploração adequada e segura de petróleo que, se não for feita, atrasará o país”

Em meio ao debate desse tema, o senhor disse que o embaixador ambiental do Brasil é o presidente Lula. Foi uma estocada na ministra Marina Silva? Fui chamado até de misógino por isso, mas jamais tive a intenção de agredir a Marina, que é respeitada no mundo inteiro. Eu sou pequenininho perto da Marina. O que eu quis dizer é que o presidente Lula é o grande defensor do projeto de preservação ambiental, mas não fechará os olhos para a necessidade de exploração adequada e segura de petróleo e gás, que, se não for feita, atrasará o país. A questão não é se vamos fazer, mas como fazer. Se preenche os requisitos técnicos e legais, discutem-se a segurança ambiental e as contrapartidas sociais na hora de fazer. O setor mineral, por exemplo, explora uma riqueza que não é renovável e deixa danos sociais por onde passa. Quais devem ser as contrapartidas?

O governo aprendeu alguma coisa com os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho? Há realmente fragilidades legais e regulatórias no setor. Eu não conheço a fundo os processos de investigação desses dois casos, mas em especial no rompimento em Brumadinho, que resultou em 270 mortes, basta ver a posição do refeitório para perceber que a vida foi negligenciada. O refeitório ficava abaixo de uma barragem a montante. Além do sofrimento das famílias e das questões ambientais e sociais, esses dois acidentes causaram grande prejuízo ao setor mineral nacional, porque atravancaram o seu crescimento. A Vale hoje praticamente não consegue novas licenças em Minas, o que é natural pelo impacto das tragédias. A Vale, por sinal, pode contribuir muito mais com o Brasil na questão da descarbonização, da ampliação dos investimentos em energia limpa e renovável e da reindustrialização.

Como? É um acinte a Vale exportar quase todo o minério de ferro in natura, sem agregar valor. Eu vou defender com muito vigor que a Agência Nacional de Mineração cobre as grandes mineradoras para que se tornem produtoras de energia limpa e renovável para a sua atividade e também contribuam para a reindustrialização do país, avançando num processo mínimo de manufaturamento do minério. Se isso for feito, 1 milhão de empregos podem ser criados.

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Qual modelo de Estado o senhor considera mais adequado? Sou daqueles que defendem o Estado necessário, nem mínimo nem totalmente liberal. Setores estratégicos, como energia, petróleo e gás, além de saúde, educação e segurança pública, têm de ter a mão forte do Estado. Basta ver os casos da privatização da Eletrobras e da venda de ativos da Petrobras. Existia um projeto do Paulo Guedes (ministro da Economia no governo Bolsonaro) de vender os ativos para facilitar a venda da Petrobras num eventual segundo mandato de Bolsonaro. O plano era claro e cristalino.

O senhor defende algum tipo de reestatização? Eu não acho que seja possível, é diferente. Agora, se houver saídas de mercado para se reestatizar, eu defendo no caso da Eletrobras. Os setores de energia, petróleo e gás são estratégicos. Não é necessário as empresas serem totalmente estatais, mas o governo tem de estar no controle delas. A política de preço dos combustíveis na Petrobras, por exemplo, era criminosa. Você fixava o preço mais alto e não tinha volatilidade para baixo quando ocorria diminuição do preço do barril no cenário internacional. Eu inclusive defendo que a Petrobras já devia ter anunciado a redução do preço do gás, respeitando a governança e a sua natureza jurídica. Não justifica o gás ser vendido muito acima da média internacional.

O senhor, então, concorda com a posição do governo de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para rever pontos da privatização da Eletrobras e ampliar seu poder de voto na empresa? Concordo plenamente, e o caminho adequado para a discussão é o Judiciário. Segurança jurídica dá o direito a ambos os lados de questionarem algo que entendam que não está certo. O governo provocou uma discussão para que haja bom senso. Isso pode resultar em um acordo? Pode. Entendo que para uma empresa de capital aberto com a governança frágil, como a Eletrobras, o melhor é um acordo.

A empresa manifestou a intenção de negociar o acordo? Sim, fortemente. Eles têm resistências internas, mas não são intransigentes. E há outros pontos que são importantes para o Brasil. Por exemplo: na privatização, assumiu-se o compromisso de pagar 26 bilhões de reais, na conta de desenvolvimento energético, em trinta anos. É possível se adiantar esses recursos num tempo mais razoável, de quatro a seis anos.

O PT e outros partidos têm reclamado de demora na nomeação de conselheiros e diretores de estatais do setor elétrico. Como o senhor recebe as indicações políticas? Num governo de coalizão, essa é uma realidade. O presidente Lula tem conseguido um bom equilíbrio entre a necessidade de manter a espinha dorsal do governo, com pessoas de sua confiança, e de atender a sua base congressual. Não está ocorrendo um pragmatismo exacerbado, mas comedido.

“Sou daqueles que defendem o Estado necessário, nem mínimo nem totalmente liberal. Setores como energia, petróleo, além de saúde e educação, têm de ter a mão forte do Estado”

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O senhor impôs alguma trava às indicações políticas no ministério? Eu não precisei travar grandes embates porque fui uma escolha meio híbrida, do meu partido e também do presidente Lula, que já saiu das eleições demonstrando vontade de que eu estivesse próximo dele. Agora, há naturalmente certos tensionamentos que eu me sinto obrigado a enfrentar, porque não é brincadeira um ministério que tem sete empresas públicas, a maior empresa de economia mista do país e quatro agências reguladoras.

O senhor pode dar um exemplo? O conselho da Petrobras. Eu não achava adequado o presidente da Petrobras, que escolheu toda a diretoria, participar da escolha dos conselheiros que serão responsáveis por fiscalizar as ações da própria diretoria. Eu não posso ter o conselho 100% alinhado, em parceria com a diretoria. Não foi uma questão de nomes, mas de tese. Ali, naquele momento, o presidente Lula reagiu fortemente a meu favor.

O senhor acha que a Petrobras hoje está protegida de escândalos como os descobertos pela Operação Lava-­Jato? Os avanços na governança se dão no mesmo ritmo dos avanços da democracia e são um fato nas empresas públicas. Agora dizer que qualquer órgão público ou qualquer empresa privada estão completamente blindados de quaisquer desvios de conduta humana é no mínimo ser muito mais do que otimista.

O PSD, partido do senhor, está firme nos governos de Lula e de Tarcísio Gomes de Freitas, que são adversários políticos em potencial. Em qual canoa o PSD vai embarcar em 2026? O PSD que hoje integra a base de Lula trabalhará para que o governo dê certo e o presidente seja candidato à reeleição. Agora, como os grandes partidos do país, o PSD é muito heterogêneo e tem algumas particularidades, como nos estados de São Paulo e do Paraná, governado por Ratinho Junior (filiado à legenda e cotado como presidenciável). No que depender de mim, vamos de Lula. Temos queda na inflação, aprovação da reforma tributária, dólar entre estável e em queda, sinais de que o Banco Central começará a reduzir os juros, e o Brasil sendo o centro da cobiça dos investidores internacionais. Uma fórmula perfeita para dar certo. O presidente Lula vai chegar muito confortável para disputar a reeleição.

Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850

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