Durante quarenta anos, a eleição para o Parlamento Europeu, instituição paquidérmica de 751 membros com sede em Estrasburgo, na França, foi uma chateação. Agora, o comparecimento às urnas, que estava em queda livre, deu um salto: mais de 50% — não porque o Parlamento tenha ganhado proeminência, mas sim porque os eleitores viram na votação a chance de se manifestar, seja a favor da União Europeia, seja contra ela. Nesse clima, esperava-se uma espécie de consagração dos partidos pequenos, que nunca tiveram vez no Legislativo do bloco, eternamente dividido entre centro-direita e centro-esquerda. Consagração não houve, mas, como vem se repetindo mundo afora, a direita, sobejamente eurocética (ou seja, anti-UE), obteve avanços relevantes e, do outro lado do espectro, a esquerda, principalmente os verdes, alcançou seus melhores resultados. No fim das contas, o Parlamento continuará sob o controle das forças políticas de sempre – mas elas terão de conviver e eventualmente até se coligar com grupos minoritários que nunca tiveram voz.
Os blocos tradicionais conquistaram 283 cadeiras, ficando longe da maioria e amargando a perda de cerca de 100 parlamentares. Do lado esquerdo da política, os socialistas da Espanha, que haviam obtido ressonante vitória nas eleições nacionais, ampliaram sua presença, o mesmo resultado do Partido Verde de várias nações, com destaque para Alemanha, Portugal, Irlanda e França. A direita levou 25% das cadeiras (na votação anterior, teve 20%). Mais do que a quantidade, os partidos direitistas — um amontoado de legendas com agenda própria, mas unidas no populismo, na defesa exaltada do nacionalismo e na desconfiança em relação à União Europeia — celebraram o alcance de sua façanha. Na França, o presidente Emmanuel Macron, que empunhou a bandeira dos valores europeus desde a anunciada aposentadoria da chanceler alemã Angela Merkel, viu seu partido República em Marcha chegar perto, mas não alcançar os 23% da arquirrival Marine Le Pen, da Frente Nacional, de extrema direita (que elegeu menos candidatos do que há cinco anos, mas nem ligou).
Na Itália, a Liga do vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, que fechou as portas a imigrantes, obteve 34% das cadeiras (em 2014, não chegou a 6%). Os conservadores nos governos de Áustria, Polônia e Hungria também avançaram — ao contrário do PVV, do holandês Geert Wilders, que perdeu três de quatro cadeiras. “Há uma agenda nova, que vai da imigração às mudanças climáticas, não contemplada pelos partidos tradicionais”, diz Célia Belin, especialista em União Europeia da Brookings Institution, de Washington. O italiano Salvini ensaia formar um bloco de extrema direita dentro da Europa e convidou Marine e Wilders para integrá-lo. Trata-se, no entanto, de uma união difícil entre grupos de nacionalismo extremado. Outro fator inesperado a favor do bloco europeu é, justamente, o primeiro divórcio da UE aprovado: o famigerado Brexit. A espiral de problemas em que o Reino Unido mergulhou por causa dele forçou eurocéticos de carteirinha a pensar duas vezes antes de tomar o mesmo caminho. A União Europeia permanece firme. Mas os burocratas que a dirigem, acostumados a acordos elegantes firmados em longos jantares, vão cortar um dobrado com os novatos.
Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637
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