Quando o jovem parlamentar Juan Guaidó surgiu cheio de gás em uma Venezuela à beira do precipício socioeconômico, uma onda de otimismo sacudiu o país governado por Nicolás Maduro. Multidões se levantaram nas ruas contra o atual regime e houve momentos em que o reinado chavista parecia à beira do fim. Guaidó fora eleito presidente da Assembleia Nacional, um órgão esvaziado, e invocou para si o cargo máximo, interinamente, sob o argumento de que Maduro se reelegera graças a uma votação fraudulenta. Mais de cinquenta países — incluindo o Brasil de Bolsonaro e os Estados Unidos de Trump — o reconheceram como chefe-mor da Venezuela. Passados onze meses, porém, Guaidó encolheu aos olhos da população, Maduro continuou firme onde sempre esteve (com o apoio que comprou dos militares) e o movimento para depô-lo perdeu o ímpeto — a ponto de um protesto estudantil não ter conseguido reunir na capital mais que uns 500 gatos-pingados no último 21 de novembro.
Em meio a uma amarga sensação de ressaca, Guaidó tentou reanimar as massas pegando carona nos países sul-americanos em combustão. Em 16 de novembro, comandadas pelo autoproclamado presidente interino, 5 000 pessoas marcharam até a Embaixada da Bolívia em Caracas em demonstração de apoio a Jeanine Añez, a substituta do exilado ex-presidente Evo Morales, um defensor do bolivarianismo de Maduro. Foi um contraste e tanto em relação às dezenas de milhares que no primeiro semestre incendiaram a cidade. As ruas refletem o que as pesquisas vêm contabilizando: a aceitação a Guaidó caiu de 61% para 43%, segundo o instituto Datanalisis. Quatro de cada dez venezuelanos que sonham ver a derrocada de Maduro já expressam o desejo de que um novo nome apareça como opção, concluiu a consultoria Delphos em outra enquete. Contribuíram para enfraquecer Guaidó suspeitas de corrupção que enredaram pessoas próximas. Essas pequenezas arranharam sua bem trabalhada imagem de político, embora ele tenha afastado todos os acusados. “Seu discurso perde força porque se baseia apenas na confiança e na simpatia da população”, avalia o cientista político Omar Noria, da Universidade Simón Bolívar.
Um dos fatores a frear as mudanças reside dentro da própria oposição: depois de rápida união em torno de Guaidó, ela voltou ao estado de sempre, rachada — situação acentuada pelas discordâncias sobre a forma de conduzir a campanha contra o chavismo. O clima azedou com o fracasso de quatro meses de conversas entre opositores e representantes do governo mediadas pela Noruega, em Barbados, no Caribe. Quem primeiro abandonou a mesa foi o pessoal de Maduro, depois que o presidente Donald Trump avisou que congelaria os ativos chavistas em território americano. A turma de Guaidó debandou um mês mais tarde. Para uma ala que quer a cabeça do pupilo de Hugo Chávez (1954-2013), tem faltado pulso nas negociações.
Nesse intrincado tabuleiro de xadrez, o apoio dos Estados Unidos ainda é um trunfo decisivo — mesmo que o maior entusiasta de Guaidó, o ex-conselheiro de segurança nacional John Bolton, tenha sido defenestrado da Casa Branca. O cerco de Washington se dá por meio de sanções severas que apunhalam a indústria local de petróleo, a principal fonte de riqueza da Venezuela, no passado a “Arábia Saudita da América Latina”. Apesar do baque, o país vem se sustentando em um arranjo geopolítico que une China e Rússia. “O regime não sobreviveria economicamente sem esse apoio internacional”, resume o cientista político Héctor Briceño, da Universidade Central da Venezuela.
Enquanto o tempo corre sem desfecho à vista, os militares que mantêm o governo de pé vão permanecendo sob as asas generosas de Maduro — e os venezuelanos naturalmente perdem a disposição para se manifestar. “No princípio, a ideia transmitida pela oposição era que a solução poderia ser rápida, mas essa é uma crise complexa, e isso esfria a população”, observa Félix Seijas, diretor da Delphos. Muita gente passou a evitar as ruas como consequência da violenta repressão exercida pela polícia, que produziu mais de sessenta mortos só neste ano. Em 5 de janeiro de 2020, exatamente um ano após a ascensão de Guaidó, haverá votação para definir o novo líder da Assembleia Nacional. Ao que tudo indica, o deputado antes festejado seguirá no posto e na Presidência interina do país. Mas na Venezuela de hoje é melhor não fazer apostas.
Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664