Quando Juan Guaidó, jovem rosto da oposição, apareceu em uma Venezuela gerida pela mão pesada e ineficiente de Nicolás Maduro, o mundo quase todo aplaudiu. O esgarçado sistema que arrastou para o buraco a nação antes conhecida como “a Arábia Saudita da América Latina” se revelara insustentável, e o parlamentar parecia ter vigor para liderar a multidão que sonha enterrar o regime bolivariano. Na condição de presidente da esvaziada Assembleia Nacional, Guaidó ousou ao se conceder interinamente a faixa presidencial do país, sob a justificativa de que Maduro não seria merecedor dela por ter fraudado as eleições. E assim começou a se movimentar internacionalmente, angariando apoios que conferiram estatura ao plano de derrubar o herdeiro político de Hugo Chávez (1954-2013) – entre os mais entusiastas, o Brasil de Bolsonaro e os Estados Unidos de Trump. Os americanos vêm sistematicamente estrangulando os chavistas à base de severas sanções que miram o coração da economia venezuelana, a indústria do petróleo.
Depois de quase um ano da ascensão de Guaidó, porém, ele não está mais conseguindo manter-se sob os holofotes por um misto de fatores. Maduro, mesmo asfixiado pela pressão externa, conta no tabuleiro geopolítico com a generosidade de China e Rússia, além de ter a seu lado os militares a quem garante as benesses do poder e que o sustentam no cargo. Guaidó, por sua vez, teve a imagem arranhada por pessoas próximas enredadas em casos de corrupção, luta para manter a sempre desunida oposição em um mesmo barco e corre contra o tempo, implacável. Quanto mais sua promessa de virar a página do chavismo tarda, menos as pessoas confiam nele. Enquanto isso, a população vai pagando um preço alto, herança do chavismo: segundo estimativas, a Venezuela encerra 2019 registrando inflação de 200 000%, um recuo no PIB de 35% e com nove de cada dez de seus habitantes abaixo da linha da pobreza.
Publicado em VEJA de 1º de janeiro de 2020, edição nº 2667