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Vazou, está vazado; mas não acaba aí

É importante saber e divulgar a diferença entre jornalistas e operadores

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 15 jul 2019, 15h21 - Publicado em 14 jun 2019, 07h00

“Somente uma imprensa livre e sem restrições pode expor os embustes do governo.” Dá para acreditar que o grande Hugo Black, relator do voto da Suprema Corte que livrou o autor de um dos maiores vazamentos da história dos EUA, foi membro da ultrarracista Ku Klux Klan, tendo depois, classicamente, assumido posições liberais?

A decisão dos supremos americanos permitiu ao The New York Times publicar os Papéis do Pentágono, documentos secretos fotocopiados — sabem o que é isso? — por Daniel Ellsberg. O ex-fuzileiro naval achava que pegaria prisão perpétua pela divulgação de informações sigilosas sobre a Guerra do Vietnã e que a opinião pública condenaria ex-presidentes democratas como John Kennedy, que aprovou o golpe e o assassinato de seu maior aliado no Vietnã do Sul, e Lyndon Johnson por esconderem informações vitais na guerra que estava matando dezenas de milhares de jovens americanos. Não aconteceu nada disso: Ellsberg passou a ser tratado como herói, a imprensa americana ganhou mais campo de ação para divulgar informações sigilosas e a culpa recaiu sobre o republicano Richard Nixon, que pegou o bonde da guerra andando antes de ser atropelado pela exposição de suas artimanhas no caso Watergate.

Os únicos que não se enganaram foram os jornalistas: informantes heroicos que arriscam a liberdade para “contar a verdade” são raros. Em geral, os vazamentos têm por objetivo prejudicar adversários internos, detonar oponentes externos e moldar a narrativa política segundo as ideias do vazador. O Garganta Profunda, a fonte de Bob Woodward e Carl Bernstein sobre as entranhas do governo Nixon, foi Mark Felt. Queria se vingar do presidente por não ter sido promovido a diretor do FBI quando J. Edgar Hoover morreu. Vazamentos provenientes de autoridades policiais como Felt são os mais frequentes.

Do ponto de vista jornalístico, uma vez garantida, tão solidamente quanto possível, a autenticidade da informação, a motivação da fonte fica em segundo plano. Obviamente, não desaparece: jornalistas que não estão no jogo para fazer política partidária nem são players de outras esferas devem tomar todos os cuidados para não ser manipulados. Com a era digital, interceptar conversas por celular e aplicativos, sugar informações de arquivos sigilosos e colocar tudo num pen drive facilitou quase que quanticamente os vazamentos. Ao mesmo tempo, complicou a vida dos jornalistas fiéis aos princípios profissionais. Por que os divulgadores de grandes vazamentos, como o WikiLeaks de Julian Assange e o The Intercept de Glenn Greenwald, têm interesse zero em casos monumentais como o do avião de passageiros derrubado com um míssil Buk russo na Ucrânia? A intervenção russa na Síria em favor de Assad? A tentativa de envenenamento com Novichok de um ex-agente russo na Inglaterra?

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A decisão relatada pelo juiz Hugo Black não virou garantia de imunidade aos informantes e não livrou os jornalistas do imperativo profissional de apurar quais os interesses dos vazadores. Com perfeita precisão, Black deixou o aviso para todas as partes: “A visão constitucional do leigo é que aquilo de que ele gosta é constitucional e aquilo de que ele não gosta é inconstitucional”.

Publicado em VEJA de 19 de junho de 2019, edição nº 2639

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