Reduzida a pele e osso, Jenna Ali Hatman, de 1 ano e 8 meses, chega no colo da mãe, Miriam Hamdan, a uma clínica no norte do Iêmen que tenta reverter o quadro de crianças malnutridas. Jenna é o futuro de seu país — um retrato trágico do que sobrou após três anos e meio de bombardeios, bloqueios, doenças e fome generalizada. O ponto de partida do drama iemenita foi a derrubada do governo do presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi pelos rebeldes xiitas hutis. A vizinha Arábia Saudita viu aí uma ameaça de expansão do rival Irã, também xiita, e acionou sua aviação militar. Bombardeou tudo o que, do alto, parecesse alvo — pontes, fábricas, estradas, hospitais, enterros, casamentos e, numa ocasião, um ônibus escolar lotado.
A ONU calcula que 18 000 civis morreram até agora. Os hutis controlam o aeroporto da capital, Sana, e o porto de Hodeidah, essencial para a circulação de mercadorias, e dizem que só liberarão as duas passagens se os sauditas encerrarem os bombardeios e o bloqueio. Armados com o que há de mais avançado no arsenal dos Estados Unidos, os aviões atacam com o beneplácito de Donald Trump, amigo incondicional do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, senhor da guerra (e suspeitíssimo de um assassinato — veja a reportagem).
Segundo a ONU, 250 000 iemenitas estão na fase 5 da escala de desnutrição, o nível mais alto, de “fome, morte e miséria”. Outros 5 milhões se encontram na fase 4, de “desnutrição aguda e mortalidade excessiva”. No total, 20 milhões de pessoas passam fome. Uma epidemia de cólera espalhou-se por 21 das 22 províncias. Desde o início do mês, vigora um cessar-fogo, enquanto representantes dos dois lados negociam na Suécia, sob mediação da ONU e da Cruz Vermelha, uma saída para o conflito e o desastre humanitário. O problema é que, para crianças como Jenna, o tempo está acabando.
Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614