Nunca se viu um processo de impeachment correr com tanta rapidez. Em quatro meses, a Câmara de Representantes dos Estados Unidos, onde mandam os democratas, instaurou investigação, ouviu testemunhas, montou sua argumentação e aprovou tudo para encaminhar ao Senado, onde mandam os republicanos, o pedido de abertura do processo de impeachment do presidente Donald Trump. O pecado dele: ter solicitado, digamos, enfaticamente, ao presidente da Ucrânia que desencavasse podres sobre o período em que Hunter Biden, filho do seu adversário eleitoral, o ex-vice Joe Biden, se sentou no conselho diretor de uma empresa ucraniana envolvida em corrupção. “Foi um telefonema perfeito. Não fiz nada de errado”, repete Trump, com os costumeiros autoelogios.
A probabilidade de condenação do ocupante da Casa Branca por abuso de poder e obstrução das investigações é hoje remotíssima. É certo, porém, que qualquer resultado e o processo em si serão exaustivamente explorados pelos dois lados na campanha pela Presidência, que vai pegar fogo a partir das primárias de fevereiro. O ano de 2019 foi uma preparação para o 3 de novembro de 2020. Trump, embalado pela economia em alta e pela crise migratória aparentemente contida, pulou de comício em comício, não dando uma banana, porque o gesto não é comum nos Estados Unidos, mas sim exibindo músculos e levando o eleitorado à loucura. Biden, Bernie Sanders e Elizabeth Warren, os pré-candidatos democratas à frente nas pesquisas, tatearam o terreno, cada qual desejando cravar na sua imagem a personificação do objetivo maior: ser o nome capaz de derrotar o atual presidente. Diante das turbulências internas, pouca atenção foi dada ao mundo lá fora. Tirando a briga comercial com a China, pela primeira vez em muito tempo os Estados Unidos não usam — ou usam com parcimônia — sua mão pesada para interferir em outros países. Há quem esteja com saudade.
Publicado em VEJA de 1º de janeiro de 2020, edição nº 2667