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Somália: tudo o que você precisa saber sobre o país

Devastado pela guerra civil que dura desde 1991, país foi alvo de ataque terrorista que deixou mais de 300 mortos

Por Gustavo Silva 20 out 2017, 17h59

No discurso de abertura de uma conferência sobre a Somália realizada em Londres, na Inglaterra, António Guterres, o secretário-geral da ONU, concluiu seu pronunciamento dizendo que “a Somália será a história de sucesso que precisamos em nosso mundo problemático”. A magnitude do ataque terrorista que atingiu o país africano nesta sábado, deixando 300 mortos e centenas de feridos, é uma pista que não há muitos motivos para tanto otimismo.

Desde o início da guerra civil em 1991, a Somália vive uma história marcada por conflitos e crises humanitárias, seguida em tempos recentes por atentados cometidos pelo grupo terrorista Al Shabab e ataques piratas cujo custo para a economia global foi estimado na casa de 18 bilhões de dólares por ano. Um dos poucos territórios africanos homogêneos em termos étnicos, religiosos e linguísticos, o país elegeu em março um novo presidente, mas ainda enfrenta dificuldades como poucas nações no mundo.

Golpe e socialismo

A criação do estado moderno da Somália aconteceu em 1960, com a unificação de antigos territórios coloniais controlados pela Itália e pelo Reino Unido. O país tem cerca de 11 milhões de habitantes, sendo 85% pertencentes à etnia somali, também falantes do idioma somali.

O Islã é a religião oficial, conforme estipulado na Constituição de 2012, e seus seguidores são majoritariamente da corrente sunita – um dos principais legados deixado pelos árabes que chegaram à região no século VII.

Em 1969, menos de dez anos depois da eleição do primeiro presidente do país, o então chefe de Governo, Abdirashid Ali Shermaker, foi assassinado em um golpe de estado comandado por forças policiais. Mohamed Siad Barre assumiu o poder, nacionalizou todos os setores da economia e declarou a Somália um estado socialista.

Os laços com a União Soviética foram quebrados no fim dos anos 1970, em decorrência da guerra entre o regime somali e a Etiópia, que contava com apoio soviético e cubano. O acordo de paz entre os países foi assinado apenas em 1988. Deposto do cargo em 1991, depois de 22 anos no poder, Barre deixou como legado uma guerra civil que assola a Somália até os dias de hoje.

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Guerra Civil

O colapso do governo de Barre transformou a capital Mogadício em uma praça de guerra. O embate entre clãs rivais em diversas regiões contribuiu para o clima geral de anarquia, morte e destruição em todo o país e teve como uma das principais consequências a fome. Estima-se que entre 300 e 500 mil pessoas morreram por esse motivo. Atualmente, 800 mil pessoas estão à beira da desnutrição, de acordo com dados da ONU. A organização, que estabeleceu uma missão de paz na Somália entre 1992 a 2001 para minimizar a crise humanitária, encerrou o trabalho por falta de condições mínimas de segurança.

Os Estados Unidos também tentaram dar fim aos conflitos, com esforços militares cujo custo foi de 1,7 bilhão de dólares e 43 mortos em dois anos. Um dos episódios mais marcantes e infames da presença americana no país – a derrubada de dois helicópteros em 1993 – ganhou as telas de cinema no filme Falcão Negro em Perigo.

Em 2006, a milícia União das Cortes Islâmicas assumiu o poder em Mogadíscio. Parte de suas fileiras viriam a se firmar como o grupo terrorista Al Shabab, que em 2010 declarou aliança à Al Qaeda e esteve no controle de grande parte do sul do país e da capital, de onde foi parcialmente expulso em agosto de 2011. Desde então, os terroristas foram acusados de uma série de atentados, incluindo o ataque de sábado, o maior da sangrenta história somali.

A situação política, dentro do turbulento contexto somali (em 2004, houve a 14ª tentativa de estabelecer uma autoridade central no país), começou a se regularizar em 2012, quando o país elegiu o seu primeiro Parlamento em mais de 20 anos. O ex-primeiro-ministro, Mohamed Abdullahi Mohamed, que detém cidadania americana, foi eleito presidente em fevereiro de 2017.

Economia

De acordo com dados divulgados pelo Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) da Somália é estimado em 6,2 bilhões de dólares, com o PIB per capita na casa de 450 dólares. Os dados, referentes a 2016, marcam um crescimento de 5% em relação ao ano anterior. Contudo, 90% dos gastos públicos do país são destinados ao setor administrativo e, claro, ao de segurança.

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Uma das maiores fontes de receita somali são as remessas de dinheiro enviadas por conterrâneos que deixaram ao país, estimadas em 1,3 bilhões de dólares por ano. Os setores da agricultura e pecuária correspondem a 40% do PIB nacional e são vitais para a sobrevivência de uma grande parcela da população, dependente da criação e plantio de subsistência.

Puntlândia e Somalilândia 

Em meio ao caos provocado pela guerra civil, duas regiões da Somália decidiram se afastar do governo central. Em 1991, o antigo protetorado britânico na região noroeste do território declarou sua independência de forma unilateral.

A Somalilândia tem sua própria moeda, exército, forças policiais e uma burocracia relativamente funcional, além de ter engajamento direto com governos estrangeiros e assinar contratos comerciais. Mais importante: em contraste com o restante do país, não é palco de grandes ataques e conflitos civis. A região, antes de unir-se em 1960 com os antigos territórios controlados pela Itália, viveu um período de independência de cinco dias.

A independência da Somalilândia não é reconhecida por governos internacionais. A secessão definitiva é vista com temor no continente, pois teria o potencial de impulsionar movimentos separatistas em diversos países africanos.

Por sua vez, a Puntlândia, localizada no chifre geográfico da Somália, não seguiu os passos da Somalilândia, mas em 1998 declarou sua autonomia em relação ao restante do país. Na prática, a região age como um território independente: conta com todas as estruturas de um governo próprio, sua constituição e eleições.

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O território, contudo, sempre se manifestou a favor de um país unido sob um regime federalista – inclusive, o primeiro presidente da região, Abdullahi Ahmed, ocupou a presidência da Somália anos depois, entre 2004 e 2008. A Puntlândia ganhou fama internacional por ser o principal porto da pirataria somali no ápice dos ataques marítimos entre 2005 e 2011.

Piratas somalis

Entre 2005 e 2011, 1.099 navios foram atacados por piratas somalis. Segundo relatório do Banco Mundial, o pagamento pela retomada das cargas e tripulações de 216 embarcações sequestradas pelos criminosos na costa da Somália custou cerca de 338 milhões de dólares em resgates. No ápice dos ataques, os custos anuais para economia global da pirataria na região do Chifre da África foram estimados pelo órgão em 18 bilhões de dólares.

O relatório anual do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a pirataria na Somália aponta que houve em 2017 “um ligeiro aumento nas atividades de pirataria entre os meses de março e junho”, que “indicam que às raízes do problema não estão sendo enfrentadas”. O documento destaca que entre maio de 2012 e março de 2017, todas as investidas de piratas somalis contra navios mercantes fracassaram. Após esse período, foram registrados 26 ataques contra embarcações nos últimos seis meses, dos quais seis foram bem sucedidos.

A alta de investidas em 2017 acontece quatro meses após o fim de uma operação antipirataria conduzida pela OTAN na costa somali. As condições que impulsionam os ataques – acesso fácil a armas, facilidade no recrutamento de candidatos, ausência de atividades geradoras de renda às comunidades costeiras, falhas no sistema somali de Justiça para identificar, prender, processar e condenar suspeitos de ataques – não sofreram mudanças, e as redes de pirataria na Somália ainda continuam atuantes, conclui o relatório assinado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.

“Irmão genuíno”

“A Turquia sempre é o primeiro país a nos ajudar, são os nossos únicos irmãos genuínos”, disse o ministro de Informação somali Abdirahman Omar Osman à agência de notícias Reuters na quarta-feira. Uma imagem que tem ganhado popularidade entre usuários de redes sociais na Somália questiona a ajuda de outras nações, e destaca: “sempre que há um problema, a Turquia nos ajuda”.  O país, governado pelo presidente Recep Erdogan, foi o primeiro a enviar suporte às vítimas do atentado neste sábado – em menos de 48 horas, helicópteros preparados para resgates pousaram em Mogadíscio e levaram dezenas de feridos à Turquia para tratamento gratuito.

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O prefeito da capital somali, Thabit Mohamed, usou o seu Twitter para manifestar gratidão pela “resposta imediata” e “ajuda para as vítimas” de Ancara. Em tom mais diplomático, o oficial escreveu 24 horas depois uma mensagem agradecendo à embaixada americana por “estar ao lado de Mogadíscio”. Os Estados Unidos, um dos principais parceiros da Somália na batalha contra o terrorismo, desembolsou 1,5 bilhão de dólares nos últimos seis anos em ajuda humanitária às vítimas das secas e fome que afligem o país, além de 240 milhões de dólares em projetos econômicos, construção de escolas e de instalações para o governo.

Sobre a Turquia, o ministro de Informação somali destacou que “outros países podem investir mais dinheiro, mas a Turquia é vista pela população como quem de fato ajuda a Somália”. Os investimentos de Ancara no país têm crescido nos últimos cinco anos, e são tidos como uma aposta futura na estabilidade do país. As medidas também são uma forma de impulsionar a imagem da Turquia como porta-voz global de uma faceta solidária do islamismo.

 

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