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Al Shabab, o grupo terrorista com quem nem Bin Laden quis aliança

Fundada em 2006, a organização extremista mata civis de forma deliberada para combater o “inimigo externo” e impor uma versão radical do Islã na Somália

Por Edoardo Ghirotto
3 nov 2013, 18h06

O ataque terrorista ao shopping de luxo Westgate, em Nairóbi, no Quênia, chocou o mundo não só por configurar um massacre de civis em um local comum às famílias de boa parte do mundo, mas também por escancarar toda a crueldade do grupo fundamentalista Al Shabab (A Juventude, em árabe). Como qualquer organização extremista que se preze, os radicais provenientes da Somália sempre nutriram o sonho de se tornar uma célula da Al Qaeda. A aliança, no entanto, só foi possível após a morte de Osama Bin Laden, que não considerava o grupo um aliado confiável para a sua jihad. Agora, com os holofotes voltados para si pela primeira vez na história, o Al Shabab almeja ampliar o cerco contra a influência do “inimigo externo” no norte da África e lutar para impor na Somália um sistema de governo doutrinado pela sharia, o rígido controle de leis islâmicas fundamentalistas.

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A criação do Al Shabab se mistura com a história recente da Somália. Após a queda da ditadura militar de Siad Barre, em 1991, o país se dividiu em diversos territórios comandados por cortes islâmicas. A guerra civil se instaurou na região até uma aliança entre as cortes, batizada de União das Cortes Islâmicas (UIC), ser fundada para controlar a capital Mogadíscio, em 2006. A devoção à sharia, contudo, acendeu o alerta dos Estados Unidos, que, preocupados com a possibilidade de a região se transformar em um terreno fértil para a Al Qaeda, apoiaram uma intervenção militar das tropas da Etiópia em favor de um governo de transição. Antes um braço armado da UIC, o Al Shabab recrutou cerca de 2 000 homens neste período e passou a agir de forma independente, como aponta Markus Hoehne, especialista no extremismo somali do Instituto Max Planck, na Alemanha.

“Ao mesmo tempo em que o Al Shabab espalhava medo na população, o grupo adotava uma ‘segunda estratégia’ e oferecia segurança e alguns serviços sociais. Eles conseguiram alcançar alguma legitimidade com os somalis ao ‘defender’ a nação dos intrusos estrangeiros, que seriam as forças da Etiópia e da Missão da União Africana na Somália (Amisom)”, diz Hoehne, ao site de VEJA. A administração de George W. Bush apontou o Al Shabab como uma organização terrorista em 2008, enquanto os militares estrangeiros lutavam para dominar os territórios que estavam em posse dos insurgentes islâmicos. Antes disso, porém, o grupo fundamentalista perdeu o líder Farah Ayro, morto em um ataque aéreo coordenado pelos Estados Unidos. Escolhido como substituto de Ayro, Ahmed Abdi Godane não perdeu tempo e fez um discurso de posse homenageando Osama Bin Laden. “Ser parte da Al Qaeda é sinônimo de prestígio e pode ajudar a angariar fundos adicionais. Eu suponho que também sirva como uma provocação para os inimigos externos do Al Shabab, como os Estados Unidos”, afirmou Hoehne.

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Bin Laden, no entanto, não compactuava com as diretrizes traçadas pelos radicais somalis. Embora o Al Shabab tenha alcançado o auge entre 2009 e 2011, com aproximadamente 7 000 guerrilheiros nas regiões central e sul da Somália, o terrorista responsável pelos ataques do 11 de setembro julgava que as ações do grupo estavam causando demasiadas mortes de civis. Em uma carta encontrada na residência em que foi morto, ao norte do Paquistão, Bin Laden pedia para os radicais revisarem os seus métodos de combate. “Bin Laden rejeitou uma sugestão de união feita pelo líder do Al Shabab, dizendo que era melhor para os membros do grupo dizerem que “o relacionamento com a Al Qaeda era simplesmente uma irmandade islâmica e nada mais””, diz Daveed Gartenstein-Ross, administrador da Fundação para a Defesa das Democracias, em Washington.

Além de promover ataques terroristas em locais públicos, como lanchonetes e ônibus, o Al Shabab também era adepto da política ‘olho por olho, dente por dente’, o que legalizava o apedrejamento de mulheres adúlteras e a mutilação das mãos de ladrões. Segundo Ross, a organização extremista só recebeu o sinal verde para se tornar uma célula da Al Qaeda em fevereiro do ano passado, mais de um ano após a morte de Bin Laden. “Ayman al-Zawahiri, então número dois da Al Qaeda, havia enviado uma carta pedindo a Bin Laden para reconsiderar a sua postura com relação ao Al Shabab. Quando Bin Laden morreu e al-Zawahiri se tornou o líder da Al Qaeda, os dois grupos anunciaram uma aliança. A mudança no comando da Al Qaeda foi o principal fator que permitiu esta união.”

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A intensidade do radicalismo do Al Shabab forçou a Amisom a ampliar as ofensivas contra o grupo. Em operações realizadas nos últimos dois anos, as tropas estrangeiras expulsaram os radicais da capital Mogadíscio e da cidade portuária de Kismayo. Mesmo alinhada com a Al Qaeda, a organização perdeu força e, com um contingente de 1 000 a 2 000 guerrilheiros, se aglomerou em zonas rurais e montanhosas ao sul do país. A Somália, por sua vez, conseguiu eleger um governo unificado e reconhecido pela comunidade internacional. Após um processo de paz comandado pela ONU, um recém-formado Parlamento apontou no ano passado o ex-acadêmico e ativista Hassan Sheikh Mohamud para a Presidência. A ameaça terrorista, contudo, está longe de ser extinta. “O ataque no Quênia sucedeu muitos outros no sul da Somália. Eles seguem lutando contra o que consideram um governo “ilegítimo” e contra todos aqueles que são contrários à sua orientação ideológica”, destacou Hoehne.

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Objetivos – Embora seja essencialmente nacionalista, o Al Shabab voltou a mira contra países vizinhos da Somália. Antes de atacar Westgate, em Nairóbi, o grupo matou 74 pessoas que assistiam à final da Copa do Mundo em Uganda, em 2010, e chegou a ser responsabilizado por 48 atentados no Quênia. A principal intenção dos terroristas é coagir os governos da região, principalmente o queniano, a interromper o suporte militar dado às forças etíopes e da Amisom. “Neste ano, o líder Godane expulsou e assassinou muitos companheiros que não concordavam com sua linha extremista. O Al Shabab está menor, mas muito mais radical. Ele ainda é capaz de conduzir ataques terroristas de proporção devastadora”, ressalta Hoehne. Para isso, o grupo lançou uma campanha de recrutamento no Ocidente e ampliou a rede de apoiadores dispostos a abastecer a organização financeiramente.

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Como a perda do controle de Mogadíscio e Kismayo fragilizou as finanças do Al Shabab, os recursos enviados por empresários da região e somalis que deixaram o país são vitais para o grupo. Além disso, a lavagem cerebral feita em adeptos do radicalismo islâmico também contribui para evitar baixas. “Muitos dos ataques suicidas são organizados por militantes nascidos fora da Somália ou por jovens que haviam deixado o país muito cedo”, diz Hoehne. Assim como ficou claro em Westgate, onde diversos cidadãos europeus e americanos participaram do atentado, o Al Shabab aposta cada vez mais em personagens vindos do Ocidente, como o rapper jihadista americano, Omar Hammami, e a ‘viúva branca’ britânica Samantha Lewthwaite, ex-mulher de um dos terroristas que atacaram Londres em 2005, para impulsionar o marketing do extremismo islâmico nas brechas encontradas na instável região do norte da África.

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