Seul acorda de volta ao normal, mas em choque, após lei marcial fracassada
Oposição apresenta pedido de impeachment contra o presidente Yoon Suk Yeol, que revogou medida após parlamento votar contra
A capital da Coreia do Sul, Seul, acordou nesta quarta-feira, 4, sem quase nenhum sinal visível da caótica tentativa de imposição de uma lei marcial no dia anterior. Os sul-coreanos voltaram aos seus escritórios, empresas e escolas como de costume, apesar do choque.
O dia começou com o habitual horário de pico na parte da manhã, com trens e ruas lotadas, depois que o presidente do país, Yoon Suk Yeol, suspendeu, por decisão do parlamento, a medida que proibiu por seis horas atividades políticas e censurou a mídia. Mas o drama político empurrou as ações da bolsa para baixo e afundou a moeda da Coreia do Sul, durante um período de crescimento econômico já frágil.
Houve mais de uma dúzia de episódios de imposição de lei marcial no país desde a declaração da república em 1948, mas a última vez foi há mais de quatro décadas, quando o general Chun Doo-hwan deu um golpe e governou de 1980 a 1988.
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Entrevistada pela agência de notícias Reuters, a moradora de Seul Gang He-Soo, 50 anos, disse que viu as notícias ao acordar por acaso.
“No começo, fiquei assustada e muito confusa. Fiquei pensando: ‘O que está acontecendo? Isso é algo que realmente poderia acontecer nesta era?’ Não consegui dormir até que a lei marcial fosse suspensa porque estava com muito medo”, disse ela ao caminhar no principal distrito comercial e turístico de Seul, Gwanghwamun.
Muitas pessoas disseram que, como Gang, ficaram acordadas até tarde acompanhando o desenrolar das notícias, que as emissoras continuaram a transmitir apesar de Yoon declarar que a mídia estava sujeita à lei marcial.
O turista Stephen Rowan, de Brisbane, Austrália, que estava visitando o Palácio Gyeongbokgung, por sua vez, disse à agência de notícias The Associated Press que não estava nem um pouco preocupado.
“É verdade não entendo muito sobre o status político na Coreia”, disse ele. “Mas ouvi dizer que agora estão pedindo a renúncia do atual presidente, então aparentemente haverá muitas manifestações. Eu ficaria preocupado se a lei marcial tivesse permanecido em vigor.”
Yoon declarou a lei marcial em um discurso transmitido em rede nacional por volta das 22h30 (10h30 em Brasília) na terça-feira, apenas para reverter a medida depois que deputados passaram pelo cerco da polícia à Assembleia Nacional para votar contra sua implementação. Antes disso, soldados equipados com rifles, coletes à prova de balas e equipamentos de visão noturna entraram no edifício parlamentar em Seul através de janelas quebradas.
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“Foi uma experiência que eu só tinha visto em filmes, e percebi o quanto é mais sério do que eu imaginava”, disse à Reuters Kim Byeong-In, morador de Seul, de 39 anos. “Estou profundamente perturbado com esse tipo de situação, e estou muito preocupado com o futuro do país.”
A declaração da lei marcial, de acordo com o gabinete do presidente, foi feita à noite para “minimizar os danos à economia nacional e à vida das pessoas”. Em seu discurso, Yoon afirmou que a medida era necessária para combater “forças comunistas” da Coreia do Norte e “atividades antiestatais” da oposição.
“Eu só sabia que a lei marcial havia sido declarada por algum motivo, mas ela acabou sem nada significativo acontecer. Isso fez com que o motivo parecesse sem sentido”, disse à Reuters o morador de Seul Park Jun-Yeop.
Protestos
Milhares de pessoas correram para a Assembleia Nacional na terça-feira e nesta quarta pedindo que a ordem de Yoon fosse bloqueada, além de demandarem sua prisão e renúncia. Quase dois terços dos 300 membros do parlamento foram ao edifício na última noite para rejeitar a lei marcial por votação.
Segundo a Reuters, uma grande rede de lojas de conveniência sul-coreana, que não quis ser identificada, disse que as vendas de produtos enlatados aumentaram 337% entre 23h e meia-noite de terça-feira, em comparação com o mesmo período da semana anterior. Já as vendas de pacotes de macarrão instantâneo aumentaram 254% e as de água engarrafada, 141%, sugerindo que a população se preocupou em estocar comida e água no momento de incerteza.
A maior coalizão sindical da Coreia do Sul, a Confederação Coreana de Sindicatos, disse nesta quarta-feira que dezenas de milhares de seus membros entrariam em greve até que Yoon apresente a renúncia, e realizarão uma manifestação nesta noite, no centro de Seul.
Vários outros protestos são aguardados na quarta-feira.