Democratas convocam 81 pessoas e instituições em vasta investigação de Donald Trump, mas dizem que é cedo demais para falar em impeachment.
A partir desta segunda-feira, 4, Donald Trump vai sentir mais profundamente as consequências da eleição americana de novembro passado. Os democratas vão usar a maioria recém-obtida na Câmara para investigar Trump, seu governo, sua família, suas empresas e a campanha de 2016.
O novo líder do Comitê Judiciário da Câmara, deputado nova-iorquino Jerry Nadler, anunciou no domingo, 3, a investigação. Mas nesta segunda-feira, com a divulgação de nomes e do foco do Comitê, ficou claro que o escrutínio sobre o passado deve seguir o presidente mesmo que ele não consiga se reeleger e volte à vida de empresário em Manhattan. Embora Nadler queira afastar qualquer ênfase no debate sobre impeachment, seu comitê é o ponto de partida para o processo, que termina com um julgamento no Senado. E, ainda que a maioria republicana no Senado não tenha demonstrado qualquer disposição de desafiar este presidente, o longo ritual de revelações partindo do Comitê Judiciário tem o potencial, na prática, de se tornar um teatro do processo de impeachment.
Os democratas se concentraram em três áreas: obstrução de justiça, corrupção e abuso de poder. Entre os convidados a depor ou ceder documentos estão a Casa Branca, o Departamento de Justiça, o FBI e inúmeros assessores de Trump. As Organizações Trump, a Fundação Trump, a campanha presidencial e até o comitê encarregado e organizar a posse, em janeiro de 2017, receberam notificações e, neste estágio, trata-se de convites para cooperação voluntária. Em caso de recusa, o Comitê Judiciário tem a prerrogativa de enviar intimações e a disputa, então, deve se deslocar para tribunais.
“Eu coopero o tempo todo com todo mundo,” reagiu Trump, durante um evento na Casa Branca, e voltou a acusar os democratas de promover “um embuste.” Os nomes que mais chamam atenção na lista são os dos filhos do presidente, Eric e Donald Jr, do genro Jared Kushnere do diretor financeiro das empresas Trump, Allen Weisselberg, que foi citado várias vezes durante o depoimento do ex-advogado do presidente, Michael Cohen, na Câmara, na semana passada.
Outra convidada a depor é Rhona Graff, secretária executiva de Donald Trump durante mais de três décadas e sua notificação termina curiosamente com o pedido pelos conteúdos de quatro encontros entre Donald Trump e Vladimir Putin, entre julho de 2017 e novembro de 2018. Os dois líderes conversaram a sós por duas horas em Helsinki, em julho de 2017, com apenas os tradutores presentes. O presidente é alvo de uma investigação sobre conluio com a Rússia pelo conselheiro Robert Mueller. Os democratas pediram também à Casa Branca para identificar e tornar disponível qualquer tradutor presente nos encontros.
Uma possível intimação a Allen Weisselberg deve preocupar o presidente, segundo o jornalista Tim O’Brien, editor executivo da Bloomberg Opinion, biógrafo de Trump e autor do livro TrumpNation: The Art of Being The Donald(NaçãoTrump: A Arte de Ser o Donald), lançado em 2005. O’Brien teve talvez o maior acesso de um repórter aos negócios do presidente. Furioso porque O’Brien revelou que ele não era um bilionário e estimou sua fortuna entre 150 e 250 milhões de dólares, Trump processou o jornalista por difamação e 5 bilhões de dólares em danos, o mesmo valor que afirmava ser sua fortuna. Perdeu na Justiça, mas, antes, foi obrigado a depor em detalhes sobre suas empresas.
Em entrevista a VEJA, O’Brien diz que a cooperação de Weisselberg e outros próximos ao presidente com a investigação depende “do grau de exposição que tiverem diante de promotores.” Ele destaca a equipe de promotores federais do Distrito Sul de Nova York, apelidada, nos meios jurídicos, de “Distrito Soberano de Nova York”, pelo poder independente de despachar intimações e seu alto nível de especialização em crimes de colarinho branco.
“Acredito que esta investigação vai testar os limites do privilégio do Poder Executivo,” diz O’Brien, comentando sobre a expectativa de que a Casa Branca e outros no entorno do presidente invoquem o privilégio para não cooperar com o Comitê Judiciário. O autor lembra que a constituição americana prevê que um presidente pode ser julgado apenas pelo Congresso, com a exigência de dois terços dos votos do Senado para aprovar um impeachment. “Não havia Distrito Sul ou Departamento de Justiça quando este país foi fundado,” diz.
O que torna Trump mais nervoso, a ameaça aos negócios ou à presidência?, pergunto a Tim O’Brien, que teve extenso contato com o objeto de sua biografia. “A ameaça aos seus negócios, claro!,” exclama. “Para Trump, a primeira preocupação é, o que acontece comigo? A segunda é, e o meu dinheiro? A terceira, e a minha família?”, afirma. “E para por aí. ” Mas, se Trump é tão apegado à fortuna e aos negócios, poderia desistir de concorrer à reeleição em 2020? “Eu acho que ele vai insistir na reeleição,” diz O’Brien. “O homem é um sobrevivente consumado e sabe da proteção que tem como presidente. Se ele desistisse, ia temer ser lembrado como um perdedor. E estamos falando de alguém que se apresenta como vitorioso mesmo quando está perdendo”.