Renovando pressão sobre a União Europeia, o governo do Reino Unido anunciou nesta terça-feira, 17, um plano unilateral de novas medidas sobre o comércio pós-Brexit. O projeto, que só será apresentado formalmente nas próximas semanas, na prática descarta partes do “Protocolo da Irlanda do Norte”, um acordo comercial assinado com o bloco há menos de dois anos e que o governo britânico diz ser “impraticável”.
Segundo o Reino Unido, a decisão de mudar o tratado juridicamente vinculativo, o que seria uma possível violação do direito internacional, funcionaria como um seguro caso não consiga chegar a um acordo com o bloco para encerrar uma extensa disputa sobre regras comerciais após a saída da UE.
Segundo a secretária de Relações Exteriores do Reino Unido, Liz Truss, a medida planejada facilitaria o movimento de mercadorias, aplicaria o regime tributário do Reino Unido na Irlanda do Norte e daria a Londres mais voz sobre as leis que regem a província. Ela afirmou ainda que a proposta não violaria a lei internacional, e que o Reino Unido não queria desfazer o protocolo, apenas para cumprir seus “objetivos”.
“Nossa preferência continua sendo uma solução negociada com a União Europeia e, paralelamente à introdução da legislação, continuamos abertos a novas negociações”, disse Truss ao parlamento sob vaias da oposição. Na segunda-feira, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, chegou a ressaltar a necessidade de uma opção de “seguro” para poder anular unilateralmente algumas regras comerciais pós-Brexit porque o protocolo, como está, ameaçava uma paz duramente conquistada pelos britânicos.
A União Europeia disse que “precisará responder com todas as medidas à sua disposição” se o Reino Unido avançar com mudanças unilaterais.
“O Protocolo [da Irlanda do Norte] é um acordo internacional assinado pela UE e pelo Reino Unido. Ações unilaterais que contrariem um acordo internacional não são aceitáveis”, disse o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic.
Em 2019, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, concordou com o Protocolo da Irlanda do Norte. A decisão foi tomada à medida que o Acordo da Sexta-Feira Santa, que encerrou décadas de conflito entre norte-irlandeses favoráveis à permanência no Reino Unido e os que desejavam unificação com a Irlanda em 1998, impede a criação de fronteiras físicas entre os países. Como solução, as partes se comprometeram em manter a Irlanda do Norte dentro do mercado comum europeu e a fiscalização passaria a ser feita na fronteira marítima entre a ilha irlandesa e a Grã-Bretanha, que inclui Inglaterra, Escócia e País de Gales.
Em outubro, em meio às tensões com o governo britânico, a UE anunciou um plano para reduzir em 80% os controles alfandegários e sanitários de produtos de origem animal e vegetal que entram na Irlanda do Norte. A oferta foi parte de um pacote em várias frentes para tentar solucionar problemas nos arranjos comerciais pós-Brexit que, segundo Londres, estão reacendendo tensões e afetando a paz e a estabilidade regional.
No âmbito dos alimentos, por exemplo, inspeções congestionaram portos e deixaram prateleiras vazias, fazendo com que a UE suspendesse duas vezes a implementação dessa parte do acordo desde dezembro de 2020. Para diminuir congestionamentos e filas, caminhões que transportam essas mercadorias teriam acesso a vias expressas e veículos que transportam tipos diferentes de alimentos não precisariam de um certificado para cada, necessitando de apenas um para o conjunto.
A medida é semelhante à proposta para medicamentos, na qual laboratórios sediados no Reino Unido poderão continuar fornecendo produtos para a Irlanda do Norte, desde que estejam devidamente rotulados para evitar que cheguem ao mercado europeu.