A história é conhecida, mas merece ser revisitada. Mehran Nasseri, um refugiado iraniano, estava a caminho da Inglaterra em 1988 quando perdeu seus documentos e não pôde embarcar nem sair do Aeroporto Charles de Gaulle, nas cercanias de Paris. Seria um caso banal se ele não tivesse permanecido ali ao longo de inacreditáveis dezoito anos. A odisseia reclusa inspirou o filme O Terminal, estrelado por Tom Hanks e dirigido por Steven Spielberg, convidando o espectador a imaginar como seria viver em um ambiente projetado somente como meio de passagem. Afinal, ninguém curte a ideia de ficar horas e horas aguardando um avião, sentado em bancos desconfortáveis e petiscando comes e bebes inflacionados. Essa concepção de aeroporto, eis a novidade, está mudando. Lá fora, esses estabelecimentos já disputam a atenção e o bolso do público com shopping centers, hotéis e parques de diversão.
A transformação começou com a instalação de espaços VIPs e modelos mais sofisticados de hospedagem para pernoite — sem contar a oferta de lojas e restaurantes. Mas o passo além foi dado com a proposta de atrair também aquelas pessoas que não vão necessariamente viajar. Sim, há quem passeie no aeroporto sem voo marcado. É uma versão aprimorada do que faziam os paulistanos, nos anos 1970 e 1980, que iam a Congonhas para tomar um café e apenas observar os canudos de alumínio e asas. Um dos maiores representantes da atual tendência é o Aeroporto Internacional de Orlando. Ele oferece um programa que permite a visitantes e hóspedes pré-aprovados aproveitarem os serviços e comodidades inclusive na área com maior controle de segurança.
A ideia foi emprestada dos resorts, que passaram a vender cada vez mais os pacotes day-use, para uso de piscina, cantina, arena esportiva e outras instalações por um curto período. E veio a calhar como uma forma de recuperar os prejuízos da pandemia ao mercado do turismo aéreo. Em Orlando, um dos atrativos do aeroporto é o espaço de recreação, com capacidade para até cinquenta convidados por dia no novíssimo Terminal C — estrutura que já recebeu quase 6,4 milhões de passageiros desde a inauguração, em 2022. O edifício de seis andares apresenta uma variedade de lojas, algumas com itens exclusivos do Walt Disney World, da Universal Studios e do SeaWorld. Há também um lounge premium, palmeiras, grandes murais e acesso à estação de trem Brightline Orlando. Há, agora, uma fila de 1 400 pessoas para passar um dia no lugar.
Ainda que não exibam a mesma pujança, outros aeroportos americanos realizaram manobras semelhantes, incluindo o de LaGuardia, em Nova York, o de Seattle-Tacoma e o de Ontário, na Califórnia. E o fenômeno contagia outras nações. O exemplo mais bem-acabado provavelmente é o luxuoso Aeroporto Changi de Singapura, que tem parque temático, arena de games e cinema 24 horas. Trata-se de uma onda de revitalização bilionária. Um relatório do Conselho Internacional de Aeroportos da América do Norte estima que os estabelecimentos situados nos EUA e no Canadá precisarão de mais de 151 bilhões de dólares nos próximos cinco anos para financiar seus projetos de infraestrutura. “Comércios atrativos, ambiente agradável e até eventos musicais têm sido alternativas para melhorar a utilização dos aeroportos e a sua integração com as cidades”, afirma Fábio Carvalho, CEO da ABR — Aeroportos do Brasil. Aqui, em escala bem menor, o movimento começa a dar os primeiros passos. A concessionária responsável pelo Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, espera entregar em 2023 um novo terminal de luxo, com áreas para dormir, tomar banho, fazer negócios, divertir-se… Excelente para quem tem medo de avião e adora a segurança de um shopping. Apertem os cintos!
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2023, edição nº 2863