Quatro das 49 crianças brasileiras separadas de suas famílias nos Estados Unidos serão entregues por autoridades americanas a parentes no país e no Brasil nos próximos dias, informou o Ministério das Relações Exteriores. A partir de uma lista formulada pelo Departamento de Saúde americano e de informações do seus consulado brasileiros nos Estados Unidos, o Itamaraty concluiu não haver, até a última sexta-feira (22), nenhum menor do Brasil detido nas instalações improvisadas, nas quais crianças têm sido mantidas dentro de jaulas de arame.
Segundo a embaixadora Luiza Lopes da Silva, diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior do Itamaraty, três irmãos abrigados na instituição Southwest Key de Tucson, no Arizona, serão entregues a um parente residente nos Estados Unidos. A mãe, presa na mesma cidade, concedeu uma procuração a um familiar, e sua decisão foi acolhida por um tribunal local de imigração.
O embaixador Enio Cordeiro, cônsul-geral do Brasil em Nova York, afirmou a VEJA que um menino de sete anos abrigado na instituição Mercy First, em Syosset, no Estado de Nova York, deverá ser restituído à mãe, no Brasil, nos próximos dias. O pai cruzou a fronteira com o menino, mas foi preso pela Patrulha da Fronteira. A mãe, que aguardava alguns dias no México para realizar a travessia com o outro filho, foi avisada da prisão e retornou ao interior de Minas Gerais, onde residia.
Segundo Cordeiro, o Consulado foi informado sobre a presença do menino brasileiro por uma psicóloga que trabalha no Mercy First e que entende português. Uma advogada voluntária está conduzindo seu caso em um tribunal que julga casos de imigrantes e já fez a primeira das três visitas ao menino requeridas pela corte.
“O desfecho previsto é a entrega do menino à mãe, por um oficial de Imigração dos Estados Unidos, no Brasil”, afirmou o embaixador. “Visitamos o menino duas vezes e constatamos que ele está recebendo um atendimento adequado. Mas nada substitui a presença da família e o contato com pessoas próximas”, completou.
A maior parte das 49 crianças brasileiras – 29 delas – está alojada em duas instituições de referência no acolhimento de menores de Chicago: a Heartland Guadalupe e a Heartland International Childrens. O restante está dividida em outras 13 entidades, muitas das quais centros de referência no atendimento a crianças.
A embaixadora Luiza Lopes explicou que, há dois anos, essas duas entidades passaram a receber mais crianças brasileiras, consideradas “desacompanhadas” pelas autoridades migratórias americanas da fronteira Sul. Nesses casos se encaixam os menores cujos acompanhantes não são, comprovadamente, seus pais.
Na época, o governo de Barack Obama se concentrava na identificação de casos de tráfico de humanos – especialmente, de crianças. Também na mesma ocasião, uma legislação foi adotada para impedir que menores ficassem detidos por mais de 20 dias. Dessa forma, começaram a ser separados de seus país, que permaneceriam presos até a conclusão do processo por imigração ilegal.
Com a adoção da política de tolerância zero à imigração ilegal pelo governo de Donald Trump, em abril passado, o quadro se tornou mais grave e caótico. Os imigrantes pegos pelas forças de segurança passaram imediatamente a responder um processo judicial por ingresso ilegal no país, e os menores foram separados imediatamente deles.
Sem instalações adequadas na zona de fronteira com o México, centros improvisados foram montados pelo governo para acolher as crianças, como aqueles nos quais elas estão divididas em celas de arame, sem o número adequado de funcionários para cuidar delas. O fato gerou reações dentro dos Estados Unidos e mundo afora. Parte das crianças, no entanto, continua a ser enviada para instituições respeitáveis em outros estados americanos se há vagas.
Na última quarta-feira, pressionado pelas reações na sua base política republicana e em sua própria família, Trump determinou o fim da separação das famílias de imigrantes presos. Seu governo, porém, ainda não divulgou como fará a reunião das famílias e aonde elas serão mantidas, já que menores não podem ficar presos por mais de 20 dias. O Pentágono estuda a transferência de parte das famílias para suas bases militares no país. A situação preocupa especialmente o Itamaraty.
“O governo brasileiro espera que a ordem executiva emitida hoje pelo governo norte-americano implique a efetiva revogação da prática de separação entre os menores e seus pais ou responsáveis”, declarou o Itamaraty, por meio de comunicado, referindo-se ao decreto de Trump de quarta-feira passada.
O chanceler Aloysio Nunes Ferreira, no dia seguinte, afirmou que a medida traz “um alívio em relação ao trauma inicial, que podemos avaliar quando vimos as imagens na televisão daquelas crianças desesperadas”. “Vamos acompanhar a implementação da decisão do presidente Trump de reverter essa medida, que consideramos uma medida cruel”, afirmou.
Adequado, mas triste
Segundo Luiza Lopes, o monitoramento das crianças que chegam e saem das duas entidades de Chicago passou a ser rotineiro para o Consulado brasileiro naquela cidade, assim como as visitas dos agentes consulares às crianças. “A cada mês, temos de quatro a 15 menores brasileiros nessas instituições. Cerca de um terço das crianças, por mês, consegue autorização judicial para retornar a seus familiares nos Estados Unidos ou no Brasil”, disse a embaixadora.
Os processos judiciais, nos casos das crianças, dura 45 dias, em média. Durante o período em que estão alojadas em centros infantis, segundo Luiza, as crianças têm contato com seus familiares e com os agentes consulares, recebem cuidados de Saúde e atenção psicológica e participam de atividades educacionais e recreativas.
“Elas não estão isoladas e, até para não terem a impressão de estarem presas, são levadas a eventos recreativos fora das entidades”, disse. “O que vimos em recentes imagens, como as crianças em jaulas de arame, não coincide com o tratamento aos menores brasileiros. A situação, porém, não deixa de ser muito triste.”
As outras 17 crianças brasileiras estão divididas em instituições de Tucson, no Arizona, do Texas, da Califórnia e da Flórida, conforme a lista do Departamento de Saúde obtida pelo Consulado-Geral do Brasil em Houston, no Texas, na semana passada. Os consulados do Brasil nesses Estados estão entrando em contato com as entidades para se certificar da identidade das crianças e das condições de acolhimento. Colocá-las em contato com os pais ou familiares, mesmo que por telefone, é uma das prioridades, assim como rastrear onde seus responsáveis estão detidos.
Segundo Felipe Santarosa, cônsul-adjunto do Brasil em Houston, a lista do Departamento de Saúde é bastante crível. Porém, pode haver mais crianças brasileiras nessas instituições do que as já identificadas. Agentes consulares visitarão duas dessas entidades no Texas – a BCTS Baytown e a Southwest Key Conroe – na próxima semana para checar informações e avaliar a situação dos dos menores.
“A nossa dificuldade está no fato de que as autoridades migratórias americanas não têm obrigação de informar os consulados sobre adultos e crianças detidas. Os Estados Unidos têm acordos com alguns países para prover esse tipo de informação, mas não querem firmar um tratado nesse sentido com o Brasil”, afirmou.
Um dos casos divulgados de criança brasileira separada da família, na semana passada, provou-se falso. O Consulado do Brasil em Hartford, Connecticut, constatou que o menor MGSB, de 17 anos, portador de deficiência mental, já estava há meses sob a guarda de sua mãe, Floriana Divina, residente no mesmo Estado.
O garoto vivia no Brasil com a avó, Maria de Bastos, que decidiu emigrar para os Estados Unidos sem antes avisar Floriana. Maria e MGSB foram capturados no Texas. A avó foi presa, e o menino foi enviado a um centro de acolhimento infantil de Chicago, onde permaneceu por um mês, até ser entregue à mãe. Maria de Bastos, que continua presa no Texas, alega sofrer perseguição policial no Brasil e pede o status de refúgio nos Estados Unidos.
“Esse caso não é incomum, infelizmente. O governo americano quer justamente acabar com a tática dos imigrantes de se valerem de crianças para ingressar nos Estados Unidos”, afirmou o cônsul do Brasil em Hartford, embaixador Fernando de Mello Barreto. “Os brasileiros têm o direito de ir e vir. Por isso, não vamos dar instruções aos brasileiros que possam limitar esse direito.”