Quadro perdido de Artemisia surge da explosão do porto de Beirute
Danificada em 2020, obra teve autoria revelada após ser levada para restauração nos Estados Unidos
Quando uma forte explosão atingiu parte de Beirute em agosto de 2020, matando mais de 200 pessoas, ferindo mais de 7 mil e destruindo centenas de imóveis, uma família influente do Líbano teve, entre outras coisas, uma pintura severamente danificada. Levado à restauração nos Estados Unidos, o quadro foi colocado nas mãos de especialistas que constataram nesta semana: trata-se de uma obra perdida de Artemisia Gentileschi, famosa artista barroca do século 17.
O quadro foi danificado enquanto estava no Palácio Sursock, uma mansão histórica de propriedade de Yvonne Sursock, que morreu devido aos ferimentos sofridos pela explosão. O palácio possuía uma grande coleção de arte acumulada por seus pais, Alfred Sursock e Maria Teresa Serra di Cassano. Juntos, eles colecionaram pinturas barrocas italianas e libanesas dos séculos 19 e 20.
+ Polícia italiana proíbe venda ilegal de pintura de Artemisia Gentileschi
A obra retrata a cena do mito no qual Hércules é forçado a se tornar servo de Ônfale, a Rainha da Lídia, por um ano como punição por um crime. A pintura está agora em péssimas condições, com um rasgo de 20 polegadas perto do joelho de Hércules. Apoiada em um cavalete no estúdio de conservação Getty em Los Angeles, nos Estados Unidos, a tela está repleta de buracos e rasgos.
“Com certeza é uma tela de Artemisia”, disse Davide Gasparotto, curador da Getty, segundo a agência de notícias ANSA. “Em termos de dimensões e de complexidade da composição das figuras, é um dos trabalhos mais ambiciosos de toda a sua obra”.
This painting by Artemisia Gentileschi survived an explosion. See more: https://t.co/YLyfg90QYC pic.twitter.com/Zvt6XfIsnn
— Getty (@GettyMuseum) October 25, 2022
Segundo Gasparotto, o quadro teria sido pintado por volta de 1635, durante a passagem da artista por Nápoles, e teria chegado a Beirute na década de 1920, após o casamento de Alfred Sursock com Maria Teresa Serra di Cassano.
Muitos artistas apresentam o mito romano de maneira erótica e cômica. Na obra de Artemisia, no entanto, há uma clara ruptura: Hércules é retratado fazendo trabalhos tradicionalmente atrelados ao gênero feminino, segurando um fio de tecer. Já Ônfale descansa em um manto de pele de leopardo.
A maneira que Artemisia escolhe contar o mito romano não é arbitrária. A artista é conhecida por ser um símbolo do empoderamento feminino e foi uma das poucas mulheres a ter sucesso no mercado de arte dominado por homens de sua época, se tornando uma espécie de heroína feminista desde os anos 70.
A artista foi torturada após atestar que tinha sido estuprada quando tinha 17 anos. Logo após o julgamento, fez a pintura Giuditta che Decapita Oloferne que retrata a passagem bíblica em que a viúva Judite, com a ajuda de uma criada, decapita o capitão Holofernes para salvar o povo de Betúlia da invasão assíria. Em outro quadro da artista, Giuditta con la sua Ancella, Judite aparece com uma espada em punho e a cabeça de Oloferne num cesto.