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Procuram-se moradores: a revolução provocada pela pandemia nas metrópoles

Regiões com espaços comerciais esvaziados estão incentivando sua conversão em prédios residenciais — e isso deve mudar as cidades

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h05 - Publicado em 16 abr 2021, 06h00
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  • No mundo tal qual o conhecíamos, centros comerciais e financeiros fervilhantes eram a alma das grandes cidades, os pontos vitais onde as lojas tinham sua matriz, onde a maiores empresas concentravam seus escritórios e onde os bancos e as bolsas de valores giravam fortunas. Aí o trabalho mudou para dentro de casa, esvaziando prédios inteiros. O que era para ser temporário foi ficando e, quarentena vai, quarentena vem, muitos edifícios e ruas continuam sem ninguém. Na metade inferior da Ilha de Manhattan, onde se localizavam os dois maiores distritos comerciais dos Estados Unidos, quase 20% dos escritórios estão para alugar, consideravelmente mais do que logo após os ataques de 11 de setembro de 2001 e na recessão de 2008. Em Barcelona, a locação de salas caiu 60% em 2020, em relação ao ano anterior. A Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis calcula que os espaços vagos alcancem 30% em São Paulo e 44% no Rio de Janeiro. A previsão é que, até 2025, 70% da força de trabalho mundial cumprirá o expediente de casa ao menos cinco dias por mês. Preocupadas, metrópoles mundo afora começam a se movimentar para dar vida ao deserto, convertendo prédios comerciais em residenciais e diluindo a tradicional separação entre lugar para viver e para trabalhar.

    Para os urbanistas modernos, entusiastas de vizinhanças híbridas e diversificadas, a mudança pode transformar e humanizar as metrópoles. Especialista em moradias do Brookings Institution, nos Estados Unidos, a urbanista Tracy Hadden Loh ressalta que o movimento de renovação das cidades pós-pandemia é global, mas aparece especialmente em locais onde as salas comerciais eram disputadas e caras. “Diversificar o uso dos imóveis e ter bairros que funcionavam apenas durante o horário de trabalho ativos 24 horas por dia é uma maneira bem mais eficiente de aproveitar a infraestrutura”, diz ela. Ciente disso, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, propõe mudar de vez o zoneamento dos sofisticados SoHo e NoHo, em Manhattan, onde butiques luxuosas e galerias de arte foram devastadas pela pandemia: mais de 50% fecharam em definitivo e 90% dos funcionários estão em home office. A ideia é oferecer reduções de impostos às construtoras que converterem 3 231 edifícios vazios em prédios residenciais, criando 300 000 moradias até 2026. Detalhe: 75% delas são destinadas a famílias de baixa renda, que se instalariam em um dos endereços — até recentemente — mais caros do mundo.

    OUTRO PÚBLICO - Rio: de novo, tentativa de revitalização -
    OUTRO PÚBLICO - Rio: de novo, tentativa de revitalização – (iStock/Getty Images)

    Há precedente para a reviravolta: nos anos 1990, outro programa baseado em incentivos fiscais transformou mais de 1,4 milhão de metros quadrados sem uso na chamada Lower Manhattan, onde fica Wall Street, em apartamentos. Segundo Leandro Medrano, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, moradores atraem serviços — supermercados, parques, escolas —, aumentando a diversidade de uso do espaço. “O meio urbano se torna não só mais funcional, mas também mais vivo”, frisa. Em Paris, o conceito começou a ser aplicado em 2015, dentro de um programa da prefeita Anne Hidalgo, que destinou parte de um pacote de 300 milhões de euros à metamorfose de 250 000 metros quadrados de escritórios em unidades residenciais. A meta, agora ampliada, é ter apartamentos em um terço dos prédios comerciais da capital francesa até 2030. Para a loja-conceito da rede Tati, por exemplo, vitimada pelo e-commerce, um concurso da prefeitura busca projetos que incluam moradias vizinhas a espaços de coworking, berçário e consultórios, “sem destruir o DNA do edifício”.

    arte mapa Rio

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    A mesma trajetória já vinha sendo seguida por Barcelona, na Espanha, e se acelerou no fatídico 2020, quando a prefeitura concedeu 131 novas licenças para a transformação de edifícios empresariais em moradias. A prefeita Ada Colau, ativista ambiental no poder desde 2015, ainda destinou 38 milhões de euros para a conversão da maior parte do bairro central de Eixample, um dos mais povoados, em um superbloco, fechando 21 ruas de modo que seus cruzamentos sejam transformados em praças. Singapura também está oferecendo incentivos para a conversão de escritórios, hotéis e estacionamentos em residências, lojas e restaurantes.

    No Rio de Janeiro, onde a recessão fez desandar um ambicioso projeto de revitalização do Centro durante a Olimpíada de 2016, o prefeito Eduardo Paes (eleito pela terceira vez) acaba de lançar o Reviver Centro — retrofit de antigas construções semivazias na região, que concentrava 70% das atividades comerciais da cidade, para receber moradores. Quem se animar a fazer a conversão terá benefícios fiscais e de zoneamento, além da garantia de que ao menos 20% dos apartamentos entrarão no programa Locação Social, com o qual a prefeitura pretende subsidiar aluguel para universitários e servidores públicos com renda de até seis salários mínimos. O projeto de lei em tramitação na Câmara dos Vereadores permite lojas no térreo dos prédios e estimula o uso coletivo de coberturas com a instalação de mirantes, restaurantes e áreas de lazer — os Telhados Cariocas. “Queremos mudar a lógica de expansão das cidades e fazer a reciclagem dos prédios, que já tiraram da natureza o que precisavam”, diz Washington Fajardo, secretário de Planejamento Urbano do Rio. É torcer para que a pandemia, que já foi vista como a morte das grandes cidades, possa no fim das contas propiciar intensa recuperação.

    Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734

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