Presidente da maior universidade de Israel explica como país se tornou líder em tecnologia
Uri Sivan, dirigente da Technion, sediada em Haifa, vem ao Brasil para participar de evento científico

Em passagem pelo Brasil, o professor Uri Sivan, presidente do Technion, o principal centro de tecnologia de Israel, falou a VEJA sobre a crise que o país enfrenta desde os atentados de 7 de outubro, quando ao menos 1.500 pessoas foram mortas pelo Hamas, e o país iniciou uma guerra que se arrasta ainda hoje na Faixa de Gaza. Sivan veio ao Brasil para participar da inauguração da chamada Nano Bíblia, a menor Bíblia Hebraica do mundo, que foi criada usando um feixe de íons, e ficará em exibição no Museu Judaico de São Paulo.
Como a guerra afeta a vida universitária em Israel?
Nós sofremos um golpe muito duro. Somos uma instituição de médio porte, com 15.000 alunos. No total, 3.500 foram convocados para servir às forças militares depois dos atentados de 7 de outubro. Cerca de 80 pessoas do nosso campus perderam membros da família. E outros 12 estudantes foram sequestrados e levados para Gaza. Abrimos as portas da universidade para os milhares de deslocados pelos conflitos, alguns chegaram aqui só com a roupa do corpo. Outro desafio é que temos uma fração significativa, cerca de 3.000, de estudantes árabes. E há muita tensão em Israel entre as duas comunidades. Mas aqui conseguimos nos manter unidos. Estudantes árabes e judeus fazem todas as atividades juntos, incluindo continuar a dividir os mesmos dormitórios.
Israel é um país conhecido por sua tecnologia de ponta. Que tipo de parcerias podem ser feitas entre a comunidade científica do Brasil e a israelense? Quais são os campos mais promissores?
Brasil e Israel são obviamente muito diferentes. Mas há muita complementaridade entre os dois. Pegue o exemplo da indústria. Aqui somos muito bons em criar empresas ou lançar novas tecnologias. Mas dificilmente temos empresas israelenses de grande porte. E vocês têm várias. Um dos campos mais promissores para nossas parcerias é a medicina. Hoje, a saúde humana exige o desenvolvimento não só dos remédios em si, como também da engenharia e da ciência de dados. E, claro, os dois países podem e devem trabalhar juntos no enfrentamento às mudanças climáticas.
Especialistas afirmam que a Technion ajudou a fomentar a cultura empreendedora israelense. Uma em cada quatro pessoas que se formam na instituição inicia um negócio próprio. Como a universidade se tornou um pilar da inovação?
Nossos cursos são muito bem avaliados no mercado. Consideramos a segurança, a economia e desenvolvimento humano de Israel como parte de nossa missão. Nossas decisões levam em conta as necessidades do país. Estão, as pessoas muito comprometidas.. Outro motor de inovação é nossa comunidade diversa. Temos alunos de origens socioeconômicas muito diferentes, assim como vasta comunidade de estrangeiros. Essa mistura impulsiona o espírito empreendedor. Outro fator a ser levado em conta é o próprio judaísmo. A religião tem uma tradição questionadora, de fazer muitas perguntas. É uma característica que remonta há 3.000 anos na História.
Como o Instituto Technion conseguiu prosperar mesmo estando em uma região tão turbulenta do planeta?
A Technion iniciou suas atividades 25 anos antes da fundação do Estado de Israel. Nós carregamos o estabelecimento de Israel em nossos ombros. Não estou familiarizado com nenhuma universidade que tenha contribuído tanto para a formação de um país quanto a Technion. Nosso principal combustível foi a necessidade. Tivemos de ajudar a fomentar a infraestrutura de ferrovias, de estradas, de dessalinização da água, de irrigação, da rede elétrica, de defesa militar. Ou seja, todas as indústrias de Israel tiveram início aqui. Porque precisávamos colocar um país de pé.
Sabemos que o desenvolvimento da ciência exige investimento pesado e que o retorno pode demorar décadas. Como convencer os governos de que esse investimento é realmente necessário?
Esse não é um problema do Brasil, ou de Israel. A falta de investimentos afeta o mundo inteiro. Porque existe um abismo entre a academia e a sociedade em geral. As pessoas não sentem que o meio acadêmico é importante para a vida cotidiana. Então nós, cientistas, precisamos estar permanentemente comunicando a relevância do que estamos desenvolvendo. Na Europa, os pesquisadores já adotam uma linguagem muito eficiente. Quando questionados, explicam não o experimento em que estão envolvidos. Mas como aquilo vai contribuir para a comunidade em geral.
Como as universidade devem preparar seus estudantes para liderar e gerenciar empresas e organizações num mercado cada vez mais competitivo?
Você sabe, muitas profissões estão desaparecendo, enquanto outras surgem. Muitos de nossos alunos acabarão, em algum momento de suas carreiras, tendo um emprego que ainda sequer existe. Então, a questão é: como você treina um aluno para um emprego que ainda não existe? Pense em cinco anos atrás, ninguém pensava que a inteligência artificial seria tão importante. Agora ela está em todo lugar. Acredito que a melhor forma de endereçar esse desafio é dar bases muito fortes. Um exemplo: ensinar muita matemática. Não porque os alunos terão de fazer cálculos complexos futuramente. Mas porque a matemática te ajuda a pensar de maneiras diferentes. Você descobre novas maneiras de pensar de forma abstrata nos problemas.
O senhor é entusiasta da inteligência artificial? Seu uso pode melhorar a ciência?
Ela será tremendamente útil em todos os setores da humanidade. Mas, como todo avanço científico, vamos descobrir uma série de benefícios e alguns malefícios. Ainda é muito cedo para dizer quais serão as implicações e consequências a longo prazo, incluindo as questões éticas. Qual será o ponto de equilíbrio entre um e outro? Essa é a grande questão.
Ultimamente assistimos ao aumento do conservadorismo religioso, não apenas em Israel, mas em muitos países ocidentais. Você acredita que isso pode ameaçar os avanços científicos?
Só posso lembrar que na Idade Média também houve bloqueio à ciência. Mas, eventualmente, a ciência se desenvolveu. Sinto que parte das pessoas está decepcionada com a ciência, no sentido de que ela não conseguiu encontrar respostas para problemas como a cura do câncer.
Quer dizer elas entendem o que é progresso, mas não enxergam suas necessidades mais emergenciais sendo atendidas.
