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Prefeito e ex-soldado gay quer ser o mais jovem presidente dos EUA

Pete Buttigieg era virtualmente desconhecido no país há um mês — agora, se aproxima de Democratas veteranos nas pesquisas

Por Lúcia Guimarães, de Nova York
Atualizado em 15 abr 2019, 13h01 - Publicado em 14 abr 2019, 17h44

Pete Buttigieg, prefeito de South Bend, Indiana, lançou neste domingo sua pré-candidatura para a presidência dos Estados Unidos, juntando-se a dezoito concorrentes. Há poucas semanas, este filho de um imigrante de Malta de 37 anos dava traço nas pesquisas. Agora está em terceiro lugar, atrás do ex-vice-presidente Joe Biden e do senador Bernie Sanders, em Iowa e New Hampshire, estados que darão o pontapé inicial nas primárias eleitorais da campanha, em fevereiro de 2020.

O discurso de lançamento se concentrou em três temas, liberdade, segurança e democracia. Buttigieg pediu aos eleitores que não acreditem no mito de que o relógio volta atrás. Como prefeito de uma cidade punida pela globalização econômica, afirmou, “Não existe honestidade em política que usa a expressão de novo.”  Ele disse que a eleição presidencial será sobre uma era, não sobre quatro anos. Lembrou ter crescido numa geração que testemunhou massacres escolares, o abandono de veteranos lutando em duas guerras e, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, espera uma condição econômica pior do que a de seus pais.

O tom do discurso foi de otimismo em contraste com o que o pré-candidato chamou de “vendedores de ressentimento,” numa clara alusão a a Donald Trump. Buttigieg tentou afastar a questão do meio ambiente da camisa de força ideológica e pediu: “Vamos chamar de segurança de clima, uma questão de vida ou morte para a nossa geração.”  Ele tocou também na polarização e no caos em Washington. “Quando algo é grotesco,” disse, “Não dá para desviar os olhos. Mas, começando hoje, vamos trocar de canal.”

A última pesquisa de opinião nacional coloca Buttigieg em quinto lugar com 4% de preferência, deixando para trás pré-candidatos como os senadores Cory Booker e Amy Klobuchar, políticos veteranos com mais proeminência no Partido Democrata. A arrancada se explica, em parte, pela atenção que o popular prefeito tem recebido da mídia americana. Nas últimas semanas, ele se fez acessível a todo tipo de meio grandes jornais, revistas, talk shows de mulheres à tarde ou de comediantes de fim de noite, programas de rádio – e é tema da reportagem de capa da renomada revista New York, que chega às bancas na segunda-feira, 15.

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Capa da New York, com Pete Buttigieg
Capa da New York, com Pete Buttigieg (//Divulgação)

Se o pré-candidato azarão conseguir a façanha de ser escolhido pelo Partido Democrata para enfrentar Donald Trump, em novembro do ano que vem, vai ser o primeiro gay, o primeiro veterano da guerra do Afeganistão e o primeiro prefeito a concorrer ao posto de presidente dos Estados Unidos. Se eleito, será ainda o mais jovem presidente da história americana. Ele está no segundo mandato como prefeito de South Bend, uma cidade de 102 000 habitantes do chamado Cinturão da Ferrugem do Meio Oeste, um epíteto negativo que se refere à decadência industrial que a região sofreu a partir dos anos 1980.

Narrativa à Obama

A súbita onipresença do prefeito poderia se explicar também pela cartilha de outro azarão que esmagou Hillary Clinton em 2008. Como Barack Obama, Buttigieg se apresentou primeiro aos americanos com a narrativa pessoal (além de vastas credenciais acadêmicas), e não com detalhes de uma plataforma eleitoral.

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Pete Buttigieg
Pete Buttigieg, tenente da reserva da Marinha dos Estados Unidos e político americano, serviu na Guerra do Afeganistão (Twitter/Reprodução)

Como Obama, que, há anos, o definiu como representante do futuro dos democratas, Buttigieg cursou a universidade de Harvard. Completou a Bolsa Rhodes, um prestigiado programa da Universidade de Oxford no Reino Unido. Dois anos antes de se eleger prefeito de South Bend, aos 29 anos, ele se tornou oficial de reserva da inteligência na Marinha americana, em 2009, e serviu por sete meses no Afeganistão, em 2014.

Em 2015, em plena campanha pela reeleição, Buttigieg resolveu sair do armário. Revelou que era gay em um artigo no jornal local, pouco antes de a Suprema Corte americana tornar legal o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em seguida, se reelegeu com 80% dos votos. Buttigieg fala sete línguas mas, admite, não com fluência completa. Frustrado porque não encontrou traduções em inglês de romances de um autor da Noruega, aprendeu norueguês. É um nerd consumado e cita confortavelmente o pensador Antonio Gramsci ou o notoriamente difícil romancista James Joyce. Seu livro de memórias, Shortest Way Home (Caminho de Casa Mais Curto, em tradução literal), chegou à lista dos dez mais vendidos do jornal The New York Times em fevereiro.

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Peter Hart, veterano especialista em análise de opinião, explicou a VEJA a vantagem de pisar no palco nacional com a força de uma narrativa pessoal. “Em 2008, Obama já tinha publicado dois livros de memórias. Sua imagem não era fabricada. O público percebia que ele tinha os dois pés bem plantados no chão e transmitia um ar de segurança, ” diz Hart.

Peter Buttigieg e Chasten Glezman
Peter Buttigieg e Chasten Glezman posam para foto durante evento em Los Angeles – 20/10/2017 (Emma McIntyre/GLSEN/Getty Images)

Em junho do ano passado, a cerimônia de casamento do popular prefeito com o professor do 2º grau, Chasten Glezman, foi transmitida online ao vivo, da Catedral Episcopal de Saint James, em South Bend. Com o sobrenome maltês difícil de pronunciar — Bât-edge-edge — o pré-candidato faz campanha como Mayor (prefeito) Pete. Seu marido está de licença da escola e se tornou popular nas redes sociais e nos comícios cada vez mais lotados, despertando curiosidade como um possível primeiro cavalheiro na Casa Branca.

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“Presidência de estrela pornô”

História de vida e muitos diplomas na parede não são suficientes para vencer uma eleição nos EUA. O elemento fé tem um peso grande. Tanto que, até hoje, nenhum americano foi eleito presidente por lá se declarando ateu. O atual ocupante do cargo, três vezes casado e comprador de silêncio de atriz pornô, venceu as eleições em grande parte graças ao apoio dos evangélicos brancos — que desviam o olhar de sua notoriamente devassa e nada religiosa vida pregressa como empresário e frequentador de boates em Nova York.

Mas Pete Buttigieg se destaca no campo de pré-candidatos democratas com uma nova mensagem, a de que o cristianismo não deve ser monopólio da direita americana. Teve grande repercussão na mídia seu ataque frontal a Mike Pence, o vice-presidente e ex-governador de seu estado, Indiana. O evangélico Pence é criticado por testar os limites constitucionais que barram a mistura de estado e religião. Foi tema de comediantes após afirmar que nunca sai para uma refeição a sós com outra mulher sem a esposa Karen, e nem põe os pés sem ela num evento onde haja consumo de álcool.

Em março, convidado pela rede CNN para uma entrevista com presença do público, Buttigieg disse que seu entendimento da Bíblia é diferente do de Pence. “Para mim, as Escrituras ensinam a proteger o estranho, o prisioneiro, o pobre,” disse, e que quando vai à igreja, o que recebe do evangelho é uma visão de retidão moral, muito menos do que de sexualidade. E concluiu com o comentário sobre Pence que se tornou viral: “Como ele se permitiu virar membro da torcida da presidência de estrela pornô? Ele deixou de acreditar nas Escrituras quando passou a acreditar em Donald Trump?” Na semana passada, depois de um segundo vídeo viral em que Buttigieg diz que o problema de Pence com gays  “não é comigo, mas com meu Criador,” o vice-presidente revidou e acusou o pré-candidato de atacar sua religião. A resposta é um sinal de que Buttigieg entrou no radar das preocupações dos republicanos.

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Juventude

O prefeito mais jovem do país tem vendido sua idade em campanha como uma vantagem e não um ponto negativo. Repete sempre que vai ter a idade do presidente Trump em 2054, como argumento pela urgência de proteger o planeta para gerações futuras. E, de quebra, estabelece, sem insultar, um contraste com os dois favoritos muito a frente do resto dos pré-candidatos, Joe Biden e Bernie Sanders. Ambos são os mais velhos candidatos da história americana e completariam 80 anos antes da metade de um primeiro mandato.

O Meio Oeste americano concentra grande parte dos trabalhadores brancos afetados pela globalização. Eles elegeram Barack Obama em 2008 e Donald Trump em 2016. Pete Buttigieg não é único a ter apelo entre o grupo demográfico: Joe Biden é o favorito incontestável. Mas com a ainda não anunciada pré-candidatura, Biden, sacudido pelos seus modos de beijoqueiro, faz com que Buttigieg seja uma versão mais contemporânea e jovem do político empático.

Os modos afáveis de Buttigieg são destacados por estrategistas republicanos como uma arma poderosa, num ano em que o Partido Democrata não consegue sacudir a pecha de “socialista” que Trump não para de repetir. Afabilidade e modéstia são as primeiras qualidades citadas no folclore sobre o Meio Oeste. Mas a súbita emergência do prefeito azarão pode ser comparada à campanha que resultou na legalização do casamento gay em todo o país, em 2015. O movimento gay se descolou da imagem de excesso e contracultura e passou a vender a aspiração a construir família como argumento. Conseguiu a mais rápida evolução de opinião pública da história do país, como mostram pesquisas feitas há 15 anos e as feitas hoje. Uma realidade que deve informar a audácia de Pete Buttigieg.

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