Por que ninguém quer assumir o controle e a reconstrução de Gaza?
Não há plano de reconstrução para o enclave, que pode ficar à deriva quando a guerra acabar

Ao longo da semana, a diplomacia do Oriente Médio, dos Estados Unidos e da Europa centrou esforços na interrupção da guerra entre Israel e o Hamas, assim como a libertação de reféns israelenses mantidos em solo palestino.
Mediado pelo Catar, o plano de trégua deve entrar em vigor na sexta 24, implicando na libertação de cinquenta sequestrados e na suspensão por quatro dias das hostilidades.
Chama atenção, porém, a falta de qualquer plano para a reconstrução de Gaza no pós-guerra.
Nem Israel, nem os Estados Unidos, nem os países do mundo árabe e tampouco a Autoridade Palestina, que controla a Cisjordânia, querem assumir a responsabilidade pelo empobrecido enclave.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, já declarou que os Estados árabes devem participar de uma força de manutenção de paz assim que o conflito acabar, uma iniciativa que tem o apoio do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
A ideia vem sendo repetida por Brett McGurk, conselheiro de Biden para o Oriente Médio, em todas as reuniões de cúpula para discutir saídas para a crise.
A ideia, porém, não foi bem recebida por nenhum chefe de Estado árabe.
As autoridades temem que a fúria dos palestinos pós-guerra seja direcionada a eles. Também não desejam policiar cidadãos árabes em favor de Israel.
“Serei muito claro. Não haverá tropas árabes em Gaza. Não queremos ser vistos como invasores ou inimigos”, afirmou o ditador Abdel Fattah Al-Sisi, do Egito, que descartou não só receber refugiados palestinos, como também envolver-se no governo de Gaza.
Postura semelhante foi repetida pelo ministro das Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, que descartou qualquer tipo de iniciativa conjunta durante conferência de líderes árabes e muçulmanos realizada em Riad, na Arábia Saudita, em novembro.
Nem mesmo as endinheiradas monarquias do Golfo Pérsico desejam participar de um futuro governo ou ajudar na reconstrução.
Antes mesmo da guerra, Emirados Árabes e Catar demonstravam irritação quanto ao direcionamento de milhões de dólares a Gaza.
Boa parte do dinheiro ia parar no bolso dos líderes do Hamas, que, segundo investigação conduzida por Israel, possuem 11 bilhões de dólares em investimentos.
Para piorar, a diplomacia internacional sabe que a Autoridade Palestina é fraca para assumir a governança do caótico território e que mesmo antes da guerra já enfrentava forte tensão social.
Seu líder, Mahmoud Abbas, tem 88 anos e acumula acusações de corrupção.
Ao mesmo tempo em que tentam a todo custo manter distância, os vizinhos de Gaza no Oriente Médio expressam temor de que Israel possa voltar a ocupar Gaza, como o fazia até 2005, quando se retirou dali.
Um problema que se arrasta há décadas
Nos últimos vinte anos, a Faixa de Gaza, onde vivem mais de 2 milhões de palestinos, tem sido encarada pelos vizinhos Israel e Egito, assim como por toda a comunidade internacional, como um problema sem solução.
Desde as eleições de 2006, quando o Hamas derrotou o partido Fatah, de Mahmoud Abbas, nas eleições locais, o território passou a sofrer um bloqueio de Tel Aviv e do Cairo, mantendo os palestinos em quase total isolamento.
Esse status quo foi mantido até a manhã de 7 de outubro, quando integrantes do Hamas invadiram Israel e mataram 1.200 pessoas, quase todas civis.
Os atos terroristas resultaram em seis semanas de bombardeio aéreo promovido por Israel, numa operação responsável por despejar 11.000 bombas sobre Gaza.
A guerra produziu uma crise humanitária sem precedentes, com a totalidade dos 2,2 milhões de moradores empurrados para a situação de miséria.
Alimentos, água potável e medicamentos sumiram das prateleiras, enquanto pacientes morrem em hospitais que ficaram sem energia elétrica.
Na metade sul do enclave, espremem-se quase todos os deslocados, agora praticamente em situação de rua.
