‘Política é inclusão’, diz paulistana que tenta vaga no Congresso dos EUA
Em depoimento a VEJA, Agatha Bacelar, de 27 anos, que é filha de pai americano, conta sua história e diz que 'processo de campanha pode ser horrível'
Nasci em São Paulo. Meu pai é americano e minha mãe, brasileira. Eles se conheceram numa viagem a Porto Rico e nunca viveram juntos. Quando eu estava com 1 ano, minha mãe decidiu que deveríamos nos mudar para os Estados Unidos. Formada em jornalismo, ela sempre foi uma cidadã do mundo; era versada em vários idiomas. Fomos para Miami, e cedo entrei em uma escola onde pudesse aprender diversas línguas. Cresci falando, além do português, inglês, espanhol e alemão.
Durante a vida escolar, fiz amizade com vários imigrantes. Só que havia uma importante diferença entre nós: eu tinha um pai americano, então obtive um passaporte que me permitia viajar sem problemas. Meus amigos não tinham isso. Assim, vi vários deles ser impedidos de tentar entrar numa universidade dos Estados Unidos, embora fossem bons alunos. Dessa maneira, a vida deles empacou. Alguns caíram em depressão, outros se voltaram para o álcool. Foi diante desse cenário que despertei para a questão da imigração, que me levaria para a política.
Aprovada com bolsa quase integral, ingressei na Universidade Stanford. Lá, cursei design de produtos — e continuei atenta às questões sociais. A cada verão eu ia para um lugar diferente. Dei aulas a meninas no Quênia; na Índia e no Camboja, envolvi-me com o problema do saneamento básico. Esse tipo de experiência só fez crescer em mim a vontade de ajudar o próximo. Isso se acentuou durante os anos em que trabalhei no Emerson Collective, organização empenhada em promover mudanças sociais, fundada em 2004 pela executiva Laurene Powell Jobs (viúva de Steve Jobs). No entanto, aqui no Vale do Silício, na Califórnia, onde vivo, existe a mentalidade de que pessoas ambiciosas não trabalham para o Estado. Com tudo o que aprendi no âmbito social, porém, descobri que os desafios mais complexos passam pelo universo da política. Se queria resolvê-los, eu precisava me lançar nela.
Aos poucos, foi crescendo em mim a ideia de tentar uma vaga no Congresso. Resolvi concorrer pelo Partido Democrata porque acredito que ele luta por uma sociedade mais inclusiva — exatamente o que almejo. Política é inclusão. O processo de campanha pode ser horrível. É muito caro, e há pessoas que tentam fazer com que você suje o seu oponente. A mídia pode estar mais interessada em fofocas do que em conversas reais. A gente quer as melhores pessoas no governo, entretanto o sistema prefere indivíduos agressivos ou com mais dinheiro. Hoje, o membro médio do Congresso é homem, advogado, rico, de 58 anos. Apesar disso, tenho muita esperança. Os tempos estão mudando.
Concorro para tornar o Congresso mais reflexivo e responsivo ao público. Quero acabar com a noção de que os políticos só aparecem para participar da sociedade a cada quatro anos. As eleições primárias acontecerão em março de 2020. Vários candidatos concorrerão a duas vagas. Estou competindo com Nancy Pelosi (a atual presidente da Câmara dos Representantes), que provavelmente será a número 1. Meu objetivo é o segundo lugar. Se isso ocorrer, poderemos avançar para a eleição geral, nacional, marcada para novembro do próximo ano, que consagrará apenas uma candidatura.
Quando eu era criança, imaginei que um dia voltaria ao Brasil para trabalhar, mas passei tanto tempo nos EUA que considero cada vez mais difícil tornar a viver no país onde nasci. Ao longo dos anos, vi quantos problemas persistem no Brasil. Se eu regressasse, sentiria como se estivesse retornando ao país para “salvá-lo”, de certa forma. Não quero isso.
É importante, no entanto, frisar: tenho muito orgulho de ser brasileira. A simpatia do nosso povo mudou a minha vida, especialmente na área da política. Essa nossa maneira feliz de ser atrai as pessoas, o que me ajuda muito a falar com os outros. Na minha campanha, preciso conversar diariamente com vários estrangeiros — e uso o charme brasileiro para isso.
Depoimento a Sabrina Brito
Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642