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Outra mesa virada

O novo presidente salvadorenho não foi a debate, não deu entrevista e fez campanha nas redes sociais. Deu certo: conquistou a população cansada da corrupção

Por Thais Navarro
Atualizado em 8 fev 2019, 07h00 - Publicado em 8 fev 2019, 07h00

Seguindo o roteiro das eleições tocadas via redes sociais, o pequeno El Salvador, país da América Central mergulhado na miséria e na violência, também virou a mesa: no domingo 3, elegeu presidente Nayib Bukele, de apenas 37 anos, que fez campanha como o “novo” que acabará com três décadas de corrupção endêmica na política salvadorenha. “Hoje viramos a página do período do pós-guerra”, declarou Bukele, de jeans e jaqueta de couro — seu uniforme de campanha —, referindo-se à alternância de poder entre dois partidos, a FMLN, de esquerda, e a Arena, de direita, desde que um acordo de paz pôs fim a uma sangrenta guerra civil em 1992.

Em 2015, concorrendo pela esquerdista FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), grupo guerrilheiro que entrou para a política ao depor as armas, Bukele elegeu-se prefeito da capital, San Salvador, cargo em que ganhou projeção nacional. Passou a expor atritos constantes com o partido e, no apogeu, em 2017, bateu boca com uma sindicalista, chamou-a de “bruxa” e atirou-lhe uma maçã. Foi expulso da FMLN, ganhou fama de independente e aproveitou o episódio para se projetar ainda mais.

A campanha inteira de Bukele foi no Twitter, Instagram e Facebook. Ora postava vídeos falando a multidões vestidas com o azul-claro que é sua marca — em contraponto ao vermelho da FMLN —, ora gravava preleções sentado no sofá branco, sob uma pintura abstrata, da sala da casa em que mora com a mulher, Gabriela Rodríguez. Não participou de debates, não deu entrevistas a jornalistas que pudessem ser críticos a ele. Seu slogan — “O dinheiro é suficiente se ninguém o rouba” — soou como música para a população farta de corruptos.

Dos presidentes pós-acordo de paz, um, Antonio Saca, da direitista Arena, está preso pelo desvio de 300 milhões de dólares; outro, Mauricio Funes, da FMLN, fugiu para a Nicarágua, sob a acusação de ter se apropriado de 351 milhões de dólares. Ao longo de três décadas de maus governos, El Salvador mergulhou em um pesadelo de pobreza e violência. Uma em cada três famílias salvadorenhas vive na miséria. A taxa de homicídios, de sessenta mortos para cada 100 000 habitantes, supera até a do Brasil — e só não lidera na América Latina porque na Venezuela mata-se ainda mais. A criminalidade é dominada pelas maras, como são chamadas as cruéis gangues locais, que controlam vastos territórios, sobretudo na capital, e têm poder suficiente para interferir inclusive na política.

Herdeiro de uma família milionária de origem palestina, Bukele é dono de concessionária de motos e de boates. Para impulsionar a economia, acena com projetos caros, como um novo aeroporto e uma estrada costeira, que até poderiam estancar a sangria de imigrantes que se juntam todos os dias às caravanas na direção dos Estados Unidos, mas não há recursos para concretizá­-los. Propõe enfrentar a violência com projetos sociais preventivos e armando mais a polícia. Enfim, nada de novo sob o sol.

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Na trilha dos políticos que se apresentam como “novidade” e “fora do sistema”, Bukele rejeita o antiamericanismo histórico da região e defende uma maior aproximação com os Estados Unidos, apesar de seu país estar na linha de frente dos ataques de Donald Trump em razão do número de imigrantes que batem à porta dos EUA. Também reconheceu o man­dato de Juan Guaidó na Venezuela, na contramão do presidente atual, Salvador Sánches Cerén, da FMLN, que apoia Nicolás Maduro.

Concorrendo na legenda de um pequeno partido conservador, o Gana, Bukele teve 53% dos votos no primeiro turno e assume a Presidência em 1º de junho, em condições pouco favoráveis. “O novo governo será fraco”, antecipa o cientista político Alvaro Artiga — o Gana tem apenas dez dos 84 votos da Assembleia Nacional, e os ânimos em ebulição ao longo da campanha não favorecem alianças. Será dura a tarefa de pôr ordem no pequeno país de enormes problemas.

Publicado em VEJA de 13 de fevereiro de 2019, edição nº 2621

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