Onda de violência no Equador expõe domínio das gangues do tráfico no país
Resta ver se o presidente Daniel Noboa, novato na política e partidário da linha duríssima contra o crime, conseguirá reverter o cenário de selvageria
Há apenas cinco anos, o Equador era um oásis de segurança na conturbada América Latina. Hoje, é o contrário: com uma média de 45 homicídios por 100 000 habitantes em 2023, seis vezes mais do que no passado, a nação à beira do Pacífico se tornou a mais letal da região, à frente de México e Brasil. O retrato acabado dessa triste realidade foi ao ar na terça-feira, 9, quando bandidos invadiram um estúdio da TV estatal em Guayaquil, maior cidade equatoriana, durante a apresentação de um noticiário de grande audiência. Armados com metralhadoras, granadas e explosivos, mascarados e formando com os dedos símbolos de organizações criminosas, eles renderam a equipe — com exceção dos câmeras, aos quais faziam questão de se exibir. Atônita e apavorada, a população ouviu ser aquela uma mensagem sobre as consequências de se “mexer com a máfia” — recado dirigido ao estado de emergência decretado um dia antes pelo governo, no esforço para isolar a liderança e combater as diversas gangues que espalham o pânico pelo país.
O estopim para mais essa explosão de violência, situação recorrente no Equador, foi a constatação na manhã de domingo, durante uma revista, da fuga da prisão La Regional, de Guayaquil, de Adolfo Macías, o Fito, chefão da quadrilha Los Choneros (o nome vem de Chone, sua cidade de origem). Aparentemente, Fito soube por informantes que seria transferido pela segunda vez para a ala de segurança máxima e preferiu deixar de vez a cela onde montara o QG de sua organização — calcula-se que ao menos nove das 36 penitenciárias equatorianas sejam totalmente controladas por criminosos. À notícia da fuga seguiram-se rebeliões, sequestros, explosões e incêndios de carros e tiroteios em várias cidades. “Não há precedente de um desafio tão brutal à autoridade do Estado, em um número tão alto de cidades importantes, desde a guerra de Pablo Escobar na Colômbia, na década de 1990”, diz o analista político Daniel Zovatto, do Centro de Estudos Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Com a decretação da emergência por sessenta dias, o presidente Daniel Noboa, que assumiu o poder em novembro com a promessa de trazer paz ao país em uma eleição marcada pelo assassinato a tiros de um dos candidatos, impôs toque de recolher e autorizou as Forças Armadas a entrar nas prisões e ocupar as ruas — medidas adotadas pelo governo anterior, sem efeito. Ele tem intenção de convocar um plebiscito nos próximos dias que lhe dê mais poder para agir e já recebeu promessas de apoio de vizinhos, como Brasil e Colômbia, e dos Estados Unidos, para a contenção da violência. A PF brasileira se colocou à disposição. No império da barbárie equatoriana, massacres, assassinatos de policiais e funcionários públicos e carros-bomba tornaram-se ocorrências semanais. Os tentáculos do crime organizado se infiltram na política e no setor militar — em novembro, 25 oficiais da Força Aérea foram punidos por danificar equipamentos de radar adquiridos para impedir que narcotraficantes operassem no espaço aéreo nacional. Dias antes da convulsão atual, outro chefão do tráfico, Fabricio Colón Pico, da gangue Los Lobos, foi preso por suspeita de planejar o assassinato da ministra da Justiça, Diana Salazar, empenhada em uma investigação sobre os vínculos entre traficantes e funcionários públicos. Na terça-feira da invasão da TV, ele aproveitou a confusão e também fugiu.
Especialmente afetado pelos males da pandemia, que arrasou sua economia, o Equador se tornou presa fácil para os traficantes de cocaína que buscavam um novo corredor de escoamento depois que as Farcs assinaram um acordo de paz na Colômbia e desmontaram as rotas que controlaram por décadas. Los Choneros foi uma das primeiras quadrilhas a entrar no novo negócio e firmou-se nele aliando-se ao cartel de Sinaloa, do México. Atualmente, quase um terço da droga colombiana e peruana sai da América do Sul via portos equatorianos. “Para os grupos criminosos, a rede rodoviária de boa qualidade do Equador, a economia dolarizada e a entrada liberada de cidadãos estrangeiros reduzem os custos do tráfico”, afirma Will Freeman, do centro de pesquisas Council on Foreign Relations. Resta ver se Daniel Noboa, novato na política e partidário da linha duríssima contra o crime, conseguirá reverter a selvageria em que o Equador se atola.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875