A tranquilidade da cidade portuária de Kristiansand, no sul da Noruega, lugar com 117 000 habitantes, emoldura uma intensa atividade cultural. Desde 2012, a população e os turistas — 1 milhão por ano — desfrutam de um imenso centro de artes cênicas com quatro auditórios, o Kilden, na Ilha de Odderøya. Ali fica também a alegria infantojuvenil do Knuden, escola municipal de cultura para alunos de 4 a 20 anos. No início de março, aquele pedaço agradável do mundo ganhou um novo espaço, o Kunstsilo, museu que agora abriga o maior acervo privado de arte moderna norueguesa, a coleção Tangen. Trata-se de um silo de grãos dos anos 1930, modificado para receber 5 000 obras, entre pinturas, desenhos, esculturas, fotografias e vídeos. A transformação foi feita por três escritórios espanhóis: Mestres Wåge Arquitectes, BAX e Mendoza Partida.
É a coroação de um polo cultural que se destaca por seus ambiciosos projetos arquitetônicos. Desenhado na origem por Arne Korsmo (1900-1968) e Sverre Aasland (1899-1990), figuras relevantes do “funcionalismo”, movimento do início do século XX que enfatizava linhas simples e despojamento, o silo teve seu primeiro bloco construído em 1935, composto por quinze cilindros, uma torre de escadas e um edifício de armazenamento. Em 1939, quinze cilindros foram acrescentados, e em 1956 houve nova ampliação, dessa vez do depósito. Com o encerramento de suas atividades no fim dos anos 2000, a municipalidade resolveu transformá-lo de vez, em interessante movimento cultural. O atual projeto é resultado da proposta vencedora em concurso internacional aberto de arquitetura em 2016.
O propósito do redesenho, a um custo total de 67 milhões de dólares, era manter a linguagem arquitetônica original do armazém de grãos e, ao mesmo tempo, transformá-lo em um museu de arte contemporânea. Dos quase 9 000 metros quadrados de área construída, praticamente um terço foi convertido em espaço de exposição — o equivalente a 25 salas. Uma das principais mudanças foi a criação do vão interno, obtido com o recorte dos celeiros centrais, o que resultou em uma edificação com pé-direito de estonteantes 21 metros de altura. “É como uma basílica”, disse a VEJA o arquiteto Magnus Wåge, fundador do escritório Mestres Wåge. No piso térreo, encontra-se um espaço rodeado por uma lojinha, auditório, café e local de exposições temporárias. As salas permanentes circundam o salão no segundo, terceiro e quarto andares. Cada andar possui um foyer a partir do qual os visitantes se movimentarão. É, de fato, como um templo.
O Kunstsilo não caminha sozinho. A arquitetura norueguesa nunca esteve tão em alta. Designs arrojados estão surgindo em todo o país, e muitos edifícios refletem as principais tendências locais, como o uso de madeira e o contraste com a natureza. Nas últimas duas décadas, por exemplo, o horizonte de Oslo, a capital, transformou-se dramaticamente. Uma das principais atrações da cidade é o circuito cultural do bairro de Bjørvika, composto pelo Munch, que abriga parte da obra do pintor expressionista norueguês Edvard Munch, criador do icônico O Grito; pela imponente Ópera, com seu teto de mármore que pode ser percorrido e fica lotado de visitantes nos fins de semana; além da luxuosa biblioteca pública Deichman, edifício projetado como um espelho para refletir a luz solar do entardecer.
Uma das estrelas desse circuito urbano é o arrojado prédio de treze andares às margens do Fiorde de Oslo, que abriga, além do legado artístico de Munch, um teatro, uma biblioteca, um cinema, um restaurante rooftop, além de espaço para exposições. Projetado pelos arquitetos espanhóis Juan Herreros e Jens Richter, foi alvo de críticas por destoar do perfil da cidade, pelo alto custo — cerca de 260 milhões de dólares — e pelos interiores despojados. “O prédio está aí, tem uma presença poderosa e faz parte da cidade”, declarou Herreros. A verdade, ao fim e ao cabo, é que nenhum projeto ou design pode ser superior às necessidades das pessoas e dos povos que os vivenciam cotidianamente. O brado nórdico merece ser ouvido.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896