O duro alerta de Médicos Sem Fronteiras sobre ‘catástrofe humanitária’ em Gaza
Documento afirma que mundo está 'testemunhando, em tempo real, a criação de condições para a aniquilação de vidas palestinas'

A organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançou um duro alerta nesta quarta-feira, 14, sobre a proposta de Estados Unidos e de Israel de controlar a distribuição de suprimentos em Gaza, em meio às graves preocupações humanitárias em torno da medida.
“Condicionar a provisão de assistência ao deslocamento forçado e ao controle da população é mais uma ferramenta na campanha contínua de limpeza étnica da população palestina”, afirmou a organização em um comunicado. “MSF rejeita e condena veementemente qualquer plano que reduza ainda mais a disponibilidade de ajuda e a sujeite aos objetivos da ocupação militar israelense”.
O documento afirma ainda que o mundo está “testemunhando, em tempo real, a criação de condições para a aniquilação de vidas palestinas em Gaza”.
Consultas entre representantes de Estados Unidos e Israel, publicadas pela imprensa na semana passada, indicam negociações em torno de um governo de transição comandado por uma autoridade americana, que ficaria no posto até desmilitarização e estabilização de Gaza, incluindo um governo palestino “viável”. Pouco antes, o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, afirmou que a Faixa de Gaza será “totalmente destruída” e que os palestinos serão deslocados “em grande número para terceiros países”.
A população da Faixa de Gaza, composta por 2,3 milhões de pessoas antes da guerra, está em “risco crítico” de fome e enfrenta “níveis extremos de insegurança alimentar”, segundo relatório da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), apoiada por agências das Nações Unidas, grupos de ajuda e governos.
A catástrofe se alastra em meio ao bloqueio israelense ao enclave, impedindo a entrada da necessária ajuda humanitária, imposto em março após o fim do cessar-fogo com o grupo militante palestino Hamas.
O documento indicou que a trégua, que durou de janeiro a março, “levou a um alívio temporário” em Gaza, mas as novas hostilidades israelenses “reverteram” as melhorias. Cerca de 1,95 milhão de pessoas, ou 93% da população de Gaza, vivem níveis de insegurança alimentar aguda. Desse número, mais de 244 mil enfrentam graus “catastróficos”.
A fome generalizada, segundo a pesquisa, é “cada vez mais provável” no território. No momento, meio milhão de palestinos, um em cada cinco, estão famintos em Gaza.
+ População inteira da Faixa de Gaza enfrenta ‘risco crítico’ de fome, diz relatório
O uso da fome como arma é considerado um crime de guerra pelas Convenções de Genebra, pelo Estatuto de Roma e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em Gaza, 95% das famílias reduziram a quantidade e a frequência das refeições – parte das crianças pequenas, inclusive, está parando de receber alimentos. A desnutrição suprime o sistema imunológico e, como consequência, aumenta a suscetibilidade a doenças, além de prejudicar o desenvolvimento cognitivo e físico das crianças.
Nesse contexto, estima-se que quase 71 mil crianças menores de cinco anos sofrerão de desnutrição aguda nos próximos 11 meses, até abril de 2026. O relatório também salientou que “muitas famílias estão recorrendo a medidas extremas para encontrar comida, incluindo mendicância e coleta de lixo para vender e comprar algo para comer” e que o panorama atual representa “uma grande deterioração em uma das crises alimentares e nutricionais mais graves do mundo, impulsionada por conflitos e caracterizada por sofrimento humano incalculável”.
Israel nega a crise de fome em Gaza pela quantidade de ajuda que entrou no enclave ao longo do cessar-fogo. Em contrapartida, o levantamento disse que os planos de distribuição de ajuda são “altamente insuficientes” e que acredita-se que muitos palestinos “enfrentassem problemas significativos para acessar os locais de distribuição propostos”. O IPC é o principal mecanismo usado para concluir se há fome em determinado ponto do planeta.