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O circo de Trump

O autor do best-seller 'Fogo e Fúria' volta à carga em novo livro, repleto de denúncias mas fraco em comprovações, sobre os bastidores da Casa Branca

Por Lúcia Guimarães, de Nova York
Atualizado em 17 jul 2019, 17h02 - Publicado em 7 jun 2019, 07h00

Em janeiro de 2018, o livro Fogo e Fúria: Dentro da Casa Branca de Trump, do jornalista Michael Wolff, explodiu como uma granada na mão de seu principal informante — Steve Bannon, o mal barbeado, mal penteado e malvestido assessor político do presidente americano. Wolff saiu ganhando: a obra se tornou o primeiro best-seller sobre o Trumpistão, com mais de 4 milhões de exemplares vendidos. Já Bannon, que em Fogo e Fúria confirma o caos imperante no governo a que servia e acusa Don Jr., filho do chefe, de “traidor” ao sondar os russos sobre sujeira envolvendo Hillary Clinton, acabou despedido. De quebra, perdeu seus bilionários patronos de ultradireita e a direção do conspiracionista site Breitbart e hoje se dedica a espalhar o populismo mais delirante pelo mundo. E a municiar Wolff. É Bannon, de novo, o garganta profunda do novo livro do escritor, O Cerco: Trump sob Fogo Cruzado, lançado simultaneamente nos Estados Unidos e no Brasil em 4 de junho.

A julgar pelas primeiras reações, Wolff vai ter de cavar nova trincheira para se defender da artilharia de críticas à sua noção muito flexível do que vem a ser jornalismo investigativo — como já havia acontecido com Fogo e Fúria. Fiel a seu estilo, ele lança acusações, reproduz boatos e descreve aberrações sem nenhuma preocupação em checar a veracidade dos fatos. Ao longo do texto, entremeia mais uma enxurrada de casos de incompetência, caos e corrupção na Casa Branca com análises de Bannon, de quem exalta a honestidade (muito embora ele seja um mentiroso confesso). Ao contrário do primeiro livro, feito de informações colhidas quando Bannon trabalhava no governo, a observação desta vez foi a distância. O influenciador caído em desgraça admite que, desde a demissão, em agosto de 2017, nunca mais se encontrou ou trocou palavra com o ex-chefe.

O Cerco é recheado de intrigas e fofocas políticas e sexuais — como a alegação sem base alguma de que Nikki Haley, ex­-embaixadora americana na ONU, teria presenteado Trump com uma sessão de sexo oral, à la Monica Lewinsky e Bill Clinton. A lista de palavrões usados pelo presidente ao se referir a assessores e o troco que ele recebe pelas costas estão, de novo, incluídos no texto. Um caso notório é o de Nick Ayers, estrategista político e ex-chefe de gabinete do vice-presidente Mike Pence, visto como o mais competente da brancaleônica equipe remanescente em uma Casa Branca tomada de fúria demissionária. No ano passado, Ayers foi cotado para assumir a mesma função no gabinete de Trump. Depois de quatro dias de contato direto com o presidente, ele se recusou a ser subordinado de um “louco varrido ensandecido do c…”. As aspas são um furo de reportagem do livro.

GELEIA GERAL - Mais do mesmo: com base em fontes suspeitas, Wolff descreve uma Casa Branca de “mentirosos” e um presidente que “se autodestrói” (//Divulgação)

A informação inédita mais séria de O Cerco (que, diante do resto, deve ser vista com reservas) refere-se a providências secretas tomadas por Robert Mueller, chefe de uma longa investigação sobre um possível conluio da campanha de Trump com a Rússia e a suspeita de obstrução de justiça por parte do presidente. Em relatório entregue em março ao Departamento de Justiça, ele concluiu que não houve conspiração criminosa e deixou no ar a questão da obstrução. Wolff diz ter tido acesso a documentos que mostram que no início de 2018, quando a Casa Branca cogitava demitir Mueller e desmontar a investigação, a equipe dele chegou a redigir uma recomen­dação de indiciamento de Donald Trump por obstrução de justiça. Também teria elaborado uma detalhada defesa da constitucionalidade de indiciar um presidente em exercício. Nada disso constou do relatório final, que deixou nas mãos do Departamento de Justiça a decisão — e ela foi a favor de Trump.

No livro, Bannon se gaba do papel de salvador do trumpismo, que estaria sendo solapado por seu criador, e é levado a sério por Wolff. A estratégia descrita pelo ex-assessor para continuar influindo no governo é telefonar para âncoras de ultradireita da Fox News, como o comentarista Sean Hannity, com quem o presidente conversa quase diariamente, e mandar recados enviesados. Em janeiro, por exemplo, Bannon conta que sugeriu, via Hannity, que Trump não estava sendo suficientemente duro na política anti-imigração e nesse ritmo iria perder apoio da base que o defende a qualquer preço. “Para quem votou em Trump, cada foto de imigrantes mexicanos, pais ou filhos, juntos ou separados, reconfirma o voto”, assegura Bannon no livro. Quem sente aí um cheiro de racismo esqueça — Wolff não questiona a afirmação.

As outras fontes de Wolff não são identificadas, e o próprio escritor as descreve como pessoas que fazem parte do grupo de “mentirosos” que vive em torno do presidente. Ele relata um episódio em que o então secretário de Justiça Jeff Sessions fez chegar a Trump uma ameaça. Sessions, que passou todo o período no cargo às turras com o presidente, inconformado por ele haver alegado conflito de interesses e se declarado incapacitado para interferir na investigação de Robert Mueller, avisou que, caso fossem mantidas as perseguições e os insultos contra a equipe de investigadores, ele, Sessions, se demitiria e recomendaria o impeachment de Trump. Pois o secretário foi humilhado e demitido em novembro e não abriu a boca.

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A longa lista de secretários e assessores dispensados e calados mostra que, por mais que se refiram a Donald Trump como “palhaço”, “maluco” e “idiota”, os integrantes do governo não deixaram de aproveitar a eleição dele para impor políticas, obter vantagens e aparelhar tribunais. Wolff acha que, daqui a quinze anos, mais do que as políticas trumpistas, o que se discutirá será sua figura e seu “comportamento o mais extremado e desorientador possível”. Trump, acredita ele, vai “se autodestruir”. Pode até ser, mas as consequências de seu governo serão, isso sim, tema de historiadores por muito tempo.

 

Publicado em VEJA de 12 de junho de 2019, edição nº 2638

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