No terceiro e último dia da Convenção Nacional Republicana, nesta quinta-feira, 27, Donald Trump encontra-se em uma posição desconfortável, muito atrás de seu adversário, o democrata Joe Biden. Segundo uma pesquisa recente da emissora ABC e do jornal The Washington Post, Biden – cujo apelido “Joe Dorminhoco”, dado por Trump, não é mais tão adequado – está 12 pontos percentuais à frente do atual presidente. Mais chocante ainda é que, de forma sem precedentes, cada vez mais eleitores republicanos compõem as intenções de votos a favor do democrata.
“Estou envergonhado até hoje por votar nele”, “Donald J. Trump abalou minha fé no Partido Republicano”, “Ele é um mentiroso patológico”: um anúncio de 60 segundos, veiculado na emissora Fox News na semana passada, compilou depoimentos de mais de uma dúzia de republicanos que explicam porque vão votar em Biden.
O apelo da propaganda do grupo Republican Voters Against Trump (Eleitores Republicanos Contra Trump) está presente em diversas outras organizações com o mesmo caráter, que encorajam ex-Trumpistas arrependidos a negar um segundo mandato ao atual líder americano em benefício da nação. “Tudo bem se você mudar de ideia, nós mudamos”, diz a frase de efeito do anúncio.
Grande parte da Presidência de Trump foi definida por sua capacidade de unir o Partido Republicano, mas as crises do coronavírus, da economia e da violência policial colocaram a Casa Branca sob escrutínio. Os veículos americanos The New York Times, The Atlantic, Forbes, L. A. Times e CNN relatam copiosamente: membros do partido estão se distanciando do presidente de forma nunca antes vista.
Na segunda-feira 24, dezenas de ex-congressistas republicanos, liderados pelo ex-senador Jeff Flake, do Arizona (estado majoritariamente pró-Trump), lançaram o movimento Republicans Against Trump (Republicanos Contra Trump) para repudiar sua candidatura e apoiar Joe Biden.
No ano passado, Flake já havia publicado um artigo no Washington Post exortando seus colegas republicanos a “salvarem suas almas” e votarem a favor do impeachment do presidente – investigado por supostamente fazer uso de suas relações com a Ucrânia para benefício próprio.
Alguns dos políticos que compõem o grupo são Steve Bartlett, do Texas, Charlie Dent, da Pensilvânia, Connie Morella, de Maryland, e Jim Walsh, de Nova York. Há outros grupos organizados, como o Lincoln Project, de George Conway, marido da ex-conselheira de Trump, Kellyanne Conway. Anthony Scaramucci, ex-assessor do presidente, está apoiando o Right Side. Funcionários do governo do ex-presidente George W. Bush lançaram o 43 Alumni for Biden.
Além disso, diversos republicanos do alto escalão, até mesmo ex-membros do governo Trump, também já declararam que pretendem apoiar Biden. O ex-governador de Ohio John Kasich, que desafiou Trump para a indicação do Partido Republicano em 2016, discursou na Convenção Nacional Democrata, elogiando a “experiência, sabedoria e decência” de Biden. Cindy McCain, viúva do senador John McCain, também apareceu na convenção, narrando a amizade de seu falecido marido com o candidato democrata – e a frustração com o governo de Trump, que atacou McCain mesmo após sua morte.
O último ex-presidente republicano vivo, George W. Bush, que não endossou Trump em 2016, disse que não apoiará sua reeleição. Seu irmão Jeb Bush, ex-governador da Flórida que foi ridicularizado pelo bilionário quando pleiteou a indicação do Partido Republicano nas eleições de 2016, seguiu o mesmo caminho.
O senador Mitt Romney, de Utah, foi o candidato republicano às eleições de 2012 contra Barack Obama e é crítico de longa data ao atual presidente. Ele foi o único senador republicano a votar para condená-lo em seu julgamento de impeachment. Apesar de ainda não ter decidido em quem votará em novembro, disse que não será em Trump, segundo oTimes.
O líder americano também foi rejeitado por muitos antigos membros de seu governo, como Jim Mattis, seu ex-secretário de Defesa, e John Kelly, ex-chefe de gabinete e secretário de Segurança Interna. Mattis definiu Trump como “o primeiro presidente em minha vida que não tenta unir o povo americano, nem mesmo finge tentar”. Kelly, por sua vez, disse que gostaria que “tivéssemos algumas outras opções”.
Colin Powell, ex-secretário de Estado do atual governo, anunciou em junho que votaria em Biden, afirmando que Trump “mente sobre as coisas” e que os republicanos no Congresso nunca o responsabilizam. O ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton disse em diversas entrevistas que se recusava a votar no atual presidente em novembro. Seu livro recém-publicado nos Estados Unidos, “The Room Where It Happened”, ataca Trump sucessivamente, alegando que o mandatário praticava “obstrução da Justiça como um estilo de vida”.
Na segunda-feira, mais de 70 altos funcionários republicanos da Segurança Nacional divulgaram uma carta afirmando que votariam em Biden. Entre os signatários estavam o ex-secretário de Defesa Chuck Hagel, o ex-diretor da CIA Michael Hayden, o ex-diretor de inteligência nacional John Negroponte, e o ex-diretor do FBI William Webster. O texto declarava que o “comportamento corrupto de Trump o torna inadequado para servir como presidente”.
A campanha de Trump argumenta que esses são esforços limitados que não falam pelos eleitores republicanos em todo o país.
“Este é o pântano – mais uma vez – tentando derrubar o presidente devidamente eleito dos Estados Unidos”, disse uma porta-voz da campanha de reeleição. “O presidente Trump é o líder de um Partido Republicano unido, que ganhou 94% dos votos republicanos durante as primárias – algo com que qualquer ex-presidente de qualquer partido só poderia sonhar.”
Quatro anos atrás, o grupo Never Trumpers tentou descarrilar a campanha do bilionário. Embora tenha reunido 19 milhões de dólares, o projeto foi limitado a um curto período nas primárias, com críticos manifestando-se na televisão, em artigos de opinião e no Twitter. Poucos apoiaram Hillary Clinton.
Desta vez, o tabuleiro se alinha de forma diferente. Esforços contra o atual presidente começaram mais cedo e são mais organizados. Não só isso, defendem Biden como o candidato assertivamente, ao contrário das dúvidas sobre Hillary. Em um movimento inaudito, os responsáveis por derrubar Trump podem não ser da oposição formal, e sim de republicanos de longa data.