Numa Europa em que uma ventania chacoalha a configuração política tradicional, agora é a Espanha que balança. Na sexta-feira 15, o primeiro-ministro socialista Pedro Sánchez, há apenas oito meses no cargo, convocou eleições para abril — a terceira vez que o país vai às urnas em menos de quatro anos. As pesquisas mostram que, de novo, nenhum partido conseguirá maioria clara para governar. A provável novidade será a ascensão de um partido de extrema direita, o Vox, que pela primeira vez deve eleger alguns deputados — isso na democracia mais jovem da Europa Ocidental, nascida em 1975, após a morte do ditador Francisco Franco.
Desde então, o país, como era costume no continente, alternou o governo entre duas legendas — PSOE, de esquerda, e Partido Popular, de direita —, em alianças de ocasião com alguma agremiação regional. A última eleição a manter o padrão foi a de 2011, em que Mariano Rajoy, do PP, conquistou ampla maioria. Quando Rajoy caiu no ano passado, por denúncias de corrupção, partidos de feições novas como o Podemos, de esquerda, e o Ciudadanos, de centro-direita, já solapavam os alicerces fincados depois da morte de Franco. A esperada chegada do Vox agora, ainda que como força minoritária, tem tudo para implodir de vez a velha receita. “A política espanhola ficou bem mais incerta”, diz Paloma Román, diretora do departamento de ciências políticas da Universidade Complutense de Madri.
Por trás do embaralhamento da política espanhola está a questão migratória, rastilho de insatisfações em toda a Europa. Mas, na Espanha, ela passou para segundo plano. O que move os ímpetos nacionalistas agora é a separação — ou não — da Catalunha, um nervo exposto desde que, em outubro de 2017, separatistas convocaram um referendo, sem consultar o governo central, e proclamaram a independência da região. A aventura durou pouco. Rajoy, então primeiro-ministro, esmagou o movimento e prendeu seus líderes. Mas não apagou o incêndio. “Nosso ponto em comum com o resto da Europa hoje é a polarização. O específico é a questão catalã”, diz José Ignacio Torreblanca, do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
Ao assumir, em junho, Sánchez, com menos de um quarto das cadeiras no Parlamento, aliou-se justamente aos separatistas catalães para tentar se equilibrar no poder. Com os votos deles, e do Podemos, conseguiu aprovar algumas medidas populares, como o aumento do salário mínimo. Mas nunca saiu da corda bamba, tampouco avançou no trato das reivindicações da Catalunha. No dia da votação crucial do orçamento federal — véspera do início do julgamento dos líderes separatistas por sedição —, os aliados, descontentes, foram contra o projeto, que foi rejeitado, e Sánchez, derrotado, foi obrigado a antecipar a eleição, que seria em 2020.
O julgamento dos separatistas deve durar meses, com manifestações contra e a favor pipocando em toda parte. A população catalã está dividida ao meio em relação à separação; o resto do país é majoritariamente contra. As últimas pesquisas mostram PSOE e PP quase empatados na casa dos 20% e Vox, o novo, conquistando 10% dos votos — pouco, certamente, mas suficiente para aprofundar ainda mais uma crise política sem solução à vista.
Publicado em VEJA de 27 de fevereiro de 2019, edição nº 2623
Qual a sua opinião sobre o tema desta reportagem? Se deseja ter seu comentário publicado na edição semanal de VEJA, escreva para veja@abril.com.br