Maior museu do mundo, o Louvre, em Paris, promove um percurso completo pela história da humanidade, circuito que exige do visitante fôlego para atravessar compridos corredores e subir generosos lances de escada. Um exercício muito bem recompensado, aliás, com um mergulho em civilizações da Antiguidade e paredes onde repousam obras de Da Vinci e Rembrandt, entre outros. Pois agora o antigo castelo dos reis da França, aberto ao público na era de Napoleão Bonaparte, em 1793, anda às voltas com um novo capítulo — que exige ainda mais fôlego. O Louvre aproveitou a proximidade da Olimpíada, entre 26 de julho e 11 de agosto, para oferecer aulas de ioga entre esculturas da corte de Luís XIV, sessões de dança jamaicana em uma sala de peças assírias e séries cardiorrespiratórias ao lado de muralhas da antiga fortaleza. Isso tudo de manhã cedo, antes do avanço das habituais multidões. A ideia é fornecer uma experiência que atice a curiosidade para novas idas — iniciativa que ecoa com a busca de grandes instituições de todo o mundo, preocupadas em fazer das visitas uma atividade que extrapole a contemplação.
Não é de hoje que se impõe o desafio da reinvenção para esses templos da cultura, dado que é cada vez mais difícil atrair jovens pendurados em smartphones. O número de visitantes já estava gradativamente caindo quando veio a pandemia, e as catracas paralisaram. A vida retornou à normalidade, mas os museus nunca mais alcançaram os patamares de antes: a frequência nos 100 maiores minguou mais de 20% entre 2019 e 2023 — de 230 milhões para 176 milhões de pessoas por ano. Campeão em visitas, mesmo o Louvre registra 8% menos pagantes do que no período pré-pandêmico. Não é apenas a dificuldade de despertar a atenção das novas gerações que pesa, mas também a inflação, que tem corroído o poder de compra, sobretudo na Europa. “Ir ao museu deixou de constar na lista de prioridades”, lamenta o museólogo italiano Roberto Concas.
É sob essa moldura que as instituições correm para se manter no radar da modernidade. Em Berlim, cidade com rico leque de opções culturais, foi inaugurada a Longa Noite dos Museus, dia em que uma centena deles funciona madrugada adentro, abrigando eventos que incluem shows, oficinas de dança e rodas de leitura. Em Nova York, o MoMA PS1 recebe regularmente baladas de música eletrônica que têm como cenário exemplares da arte contemporânea. Enveredando pela seara da imersão, tão em voga, o Museu de História Natural de Londres dá a possibilidade a crianças e adultos de passearem à noite pelas galerias tomadas de dinossauros e dormir por lá mesmo. Também o recauchutado formato de certas exposições ajuda o visitante a entrar no tema — e dá-lhe óculos 3D e experiências sensoriais para proporcionar novos ângulos. “Tudo isso funciona bem com os jovens e amplia a visão de públicos de diferentes idades”, observa Roberto Concas.
Especialmente efervescente agora, a cena parisiense fornece uma daquelas chances para os bons museus sacudirem o pó sob holofotes de alta repercussão. O Museu d’Orsay, dono da maior de todas as coleções impressionistas, já programou um baile de gala para os 300 felizardos que conseguirem comprar ingresso (a 26 euros) para usufruir de um salão de festas ornado com ouro e lustres de cristal, o mesmo onde Charles de Gaulle anunciou sua volta à política, em 1958. Debruçada sobre o Rio Sena, palco da cerimônia de abertura dos Jogos, onde 10 000 atletas desfilarão a bordo de barcos, a antiga estação de trem resolveu criar uma espécie de camarote vip, transformando por uma noite a famosa sala do relógio em uma suíte imaginada pelo designer francês Mathieu Lehanneur. Apenas duas pessoas, pinçadas por sorteio, assistirão ao espetáculo, acompanhadas de Monets e Van Goghs. “Inventei um espaço romântico e contemporâneo, íntimo e suntuoso”, explicou o badalado designer.
O empenho dos museus para se manter atraentes é mais do que louvável. Advento do século XIX, eles são um marco civilizatório, uma vez que massificaram o acesso a acervos antes confinados em mansões e coleções privadas — os “gabinetes de curiosidades”, como eram chamados. Foi um salto e tanto, propiciando a qualquer um estar face a face com valiosos tesouros da história e das artes, o que abriu uma decisiva janela para a aquisição de conhecimento. Dentro do próprio Louvre, mestres como Édouard Manet e Edgar Degas tomaram inspiração em gênios do passado para dar asas ao impressionismo. “As pessoas passaram a frequentar exposições em busca de entender mais o mundo e a si mesmas”, afirma o doutor em história da arte Felipe Martinez, da Universidade de Amsterdã. Tudo isso indica que as nobres casas de arte estão no caminho certo. “É boa a briga para não virarem, elas próprias, peças de museu”, resume o húngaro András Szántó, autor de O Futuro do Museu: 28 Diálogos. O saber e a beleza contidos nesses edifícios certamente justificam o esforço.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895