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Na China, o big brother já existe

As novas tecnologias de vigilância precisam de controle

Por Maria Laura Canineu
Atualizado em 17 jul 2019, 17h51 - Publicado em 31 Maio 2019, 07h00

Imagine que você é parado em uma blitz. Um policial pede o seu RG, checa um celular e imediatamente puxa todas as informações, não apenas a placa do seu carro, mas sua altura, tipo sanguíneo, filiação política, religião, com quem anda, se você se relaciona com vizinhos. Assustador, mas é a realidade de cerca de 13 milhões de pessoas na China, onde um sistema de vigilância em massa do governo monitora uma minoria étnica muçulmana que vive no oeste do país, na região de Xinjiang.

A Plataforma Integrada de Operações Conjuntas, um aplicativo da polícia conectado a um sistema de vigilância, compila uma quantidade enorme de informações sobre as pessoas, inclusive localização em tempo real, e segue seus movimentos, rastreando telefones, veículos, identidades. Depois identifica as que representam potencial ameaça. Com base em critérios questionáveis, como viagens ao exterior, o sistema gera listas de pessoas para possível detenção.

Cerca de 1 milhão de muçulmanos estão arbitrariamente detidos em campos de “educação política” em Xinjiang, e neles ficarão até que sejam considerados leais ao Partido Comunista. Sob a liderança de Xi Jinping, o governo chinês também empreendeu esforços para coletar DNA, amostras de sangue, leitura de íris e outras informações biométricas de milhões de pessoas. Câmeras de reconhecimento facial alimentadas por inteligência artificial aumentaram o controle social e a discriminação racial, o que resultou em sérias violações dos direitos à privacidade, liberdade de expressão, associação e religião.

Algumas tecnologias chinesas têm sido exportadas. No início do ano, parlamentares do partido do presidente Jair Bolsonaro visitaram a China para aprender tecnologias de vigilância. Após o retorno, eles disseram que apresentariam um projeto de lei para tornar obrigatória a instalação de câmeras de reconhecimento facial em todos os locais públicos a fim de ajudar as forças de segurança a “combater o crime e prender suspeitos”.

Uma vez que a tecnologia abre espaço para abusos, a proposta deveria conter justificativa detalhada de seus propósitos para a segurança pública e nacional. Não há motivo para a implantação de um sistema como esse, a não ser que seja demonstrada a possibilidade de garantir o devido processo, com mecanismos para proteger a privacidade contra a interferência desnecessária e desproporcional do Estado.

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O uso do reconhecimento facial levanta sérias dúvidas sobre sua confiabilidade e seu potencial para a discriminação. Estudos independentes demonstram que esses sistemas podem ampliar preconceitos raciais, étnicos e de gênero já existentes. No Brasil, podem afetar desproporcionalmente homens jovens, negros, com baixa escolaridade, que já estão sobrerrepresentados no sistema de Justiça Criminal.

As práticas abusivas da China mostram os riscos de implementar sistemas de vigilância em massa sem assegurar transparência, accountability e outras garantias. O Brasil não deveria seguir por esse caminho. O uso de tecnologia de reconhecimento facial deveria ser amplamente discutido no Congresso e na sociedade e implementado somente com controles claros e contundentes para prevenir e punir abusos.

Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

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