Na América Latina de direita, esquerdista AMLO toma posse no México
Populista de esquerda, López Obrador não quer problemas com os EUA; críticos temem seu viés radical e a reestatização do setor petroleiro
Em uma América Latina em plena guinada para a direita, o populista de esquerda Andrés Manuel López Obrador, de 65 anos, tomará posse como presidente dos Estados Unidos Mexicanos neste sábado com clara disposição de não aprofundar os problemas já existentes com os outros Estados Unidos, os vizinhos do norte governados pelo republicano Donald Trump.
Sua posse será marcada, inevitavelmente, pela presença de cerca de 6.000 migrantes centro-americanos acampados em Tijuana, na fronteira com os Estados Unidos. Cada um dos migrantes tem como objetivo ingressar legal ou ilegalmente em terreno americano. O episódio tem potencial uma ferida nas relações bilaterais. Mas é exatamente isso que López Obrador pretende evitar.
Como primeira medida de seu governo, seu chanceler, Marcelo Ebrard, se reunirá com o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ainda no domingo, 2, para tratar desta delicada questão para a relação bilateral. Até o momento, o presidente Enrique Peña Nieto tem pacatamente aceitado as exigências da Casa Branca de manter o contingente em terremo mexicano.
Admirador do revolucionário Benito Juárez (1806-1876), figura-chave na construção da República no século XIX, e do caudilho Lázaro Cárdenas, líder do país entre 1934 e 1940 e responsável pela estatização do petróleo, AMLO assume o país que outro antecessor, Porfírio Díaz, presidente por três vezes entre 1876 e 1911, assim resumira: “Pobre México: tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos”.
Em Buenos Aires, onde participou na sexta-feira 30 da reunião de cúpula do G20, Peña Nieto terminou de desarmar uma das bombas que poderia estourar no governo de AMLO. Ele assinou a nova versão do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta ou, agora, USMCA), antes de embarcar de voltar para a Cidade do México para entregar a faixa presidencial a El Peje, como López Obrador também é chamado.
Surpreendentemente, o primeiro contato entre AMLO, tido como um sucessor do venezuelano Hugo Chávez, e Donald Trump foi harmonioso. O americano relatou ter tido uma “grande conversa” com o mexicano logo depois de sua eleição e chegou a chamar o esquerdista de “Juan Trump”. Para sua posse, Trump enviará sua filha e assessora, Ivanka, e o vice-presidente americano, Mike Pence.
Teimosia
López Obrador foi eleito no último dia 1º de julho com 53% dos votos, favorecido pelos repetidos escândalos de corrupção durante o governo de Peña Nieto, do fisiológico PRI, e do fracasso no combate aos cartéis mexicanos de drogas e tráfico de armas e à pobreza endêmica do país. O ex-prefeito da Cidade do México (2000-2005) conhece o país como a palma da mão. Visitou pelo menos uma vez todos os municípios mexicanos e espalhou sua promessa de lutar contra a corrupção e a pobreza.
“Sou teimoso, isso é de domínio público. Com esta mesma convicção, atuarei como presidente da República. Beirando a loucura de maneira obcecada”, declarou Obrador, de 65 anos, homem de personalidade afável e fala pausada, em sua terceira tentativa de alcançar a presidência.
Seus primeiros anúncios, depois da eleição, foram tão populistas quanto os dos caudilhos que o antecederam no cargo. Renunciou à luxuosa residência oficial, para fazer dela um centro cultural, ao avião presidencial, a mais da metade de seu salário e ao esquema de segurança que protege os governantes mexicanos.
Seu histórico e seus gestos, entretanto, não chegam a impressionar analistas em política mexicana. O novo presidente surgiu do aparelho partidário do PRI, hegemônico entre 1929 e 2000 e de volta ao poder em 2012, com Peña Nieto. Passou pelo Partido da Revolução Democrática (PRD) até fundar sua própria legenda, Movimento de Regeneração Nacional (Morena), há quatro anos. A coalizão que o elegeu também conquistou maioria no Congresso.
Seus planos de governo são considerados superficiais pelos analistas políticos. Em campanha, AMLO prometeu uma mudança radical no pais – “a quarta transformação do México” -, mas ofereceu poucas ideias novas sobre como combater o triplo flagelo mexicano – corrupção, crime e pobreza.
Seus críticos temem que seu governo se volte ao radicalismo de esquerda e às tendências autoritárias. O empresariado mexicano está particularmente nervoso, em especial com sua proposta de revisão da reforma que abriu o setor petroleiro do país.
Sua promessa de ser conservador e austero no gerenciamento macroeconômico ainda não convenceu os mercados, que ainda apostam contra o peso mexicano. O projeto de AMLO para o período 2018-2024 inclui a redução dos salários dos funcionários públicos em 50%, a estabilização da dívida pública e o ajuste fiscal sem aumento de impostos, além da reversão da reforma energética.
“Ele nunca foi claro. Centrou qualquer solução em torno de sua figura e capacidade pessoal de resolver as coisas”, afirmou o analista político Fernando Dworak.
Ainda assim, López Obrador inicia seu governo com 66% de popularidade, conforme pesquisa divulgada pelo jornal El Financiero na segunda-feira 26.
“Os mexicanos ainda estão comprando suas promessas. Ele tem gerado muitas expectativas e muita gente demora a se dar conta de quem é na verdade o governante”, afirma o analista político José Antonio Crespo.
“Ainda haverá uma lua de mel bem romântica, mas há sinais de que seu apoio pode enfraquecer muito rápido”, avaliou Duncan Wood, especialista em México do Wilson Center, de Washington.
Mas há analistas confiantes em seu desempenho como presidente do México. O historiador mexicano Paco Ignacio Taibo II diz ser AMLO um “homem incansável”. De fato, foi dado como politicamente morto várias vezes. Perdeu as eleições presidenciais de 2006 e de 2012, assim como a disputa em 1994 pelo governo do Estado de Tabasco, onde nasceu. Mas sempre ressurgiu.
“Ele amarrou um projeto que equilibra três coisas: a guerra contra o narcotráfico, a guerra contra a corrupção e a guerra contra o projeto neoliberal que muito prejudicou o México”, explicou Taibo.
(Com AFP)