Morte de cristãos aumenta 40% em 2018, diz ONG Portas Abertas
Perseguições são motivadas por grupos extremistas islâmicos na África. China e Coreia do Norte adotam políticas oficiais
Morrer ou ser perseguido por causa da fé tem feito parte dos riscos enfrentados por 245 milhões de cristãos mundo afora. Em seu levantamento de 2019, a organização não governamental Portas Abertas registrou 4.305 casos de pessoas mortas por serem cristãs, o que representa aumento de 40,4% na comparação com a pesquisa anterior.
A mais recente Lista Mundial de Perseguição, divulgada nesta quarta-feira, 16, cobriu o período de 1º de novembro de 2017 a 31 de outubro de 2018. A entidade observou o crescimento de 65% no total de pessoas detidas sem julgamento, sentenciadas e presas – 3.150 cristãos – 133% nos ataques a igrejas e edifícios cristãos no período – 1.847 templos.
O quadro levantado ano a ano pela Portas Abertas aponta para o recrudescimento da perseguição aos cristãos, especialmente no Oriente Médio, na África e na Ásia Oriental, onde grupos extremistas atuam como os principais responsáveis pela violência.
Se a Coreia do Norte continua a ser o país mais avesso à presença de cristãos em seu território, a Nigéria tem se mostrado uma nação altamente perigosa aos seguidores da fé cristã. No ano passado, 3.731 pessoas morreram no Norte e no Cinturão Médio desse país africano, onde se concentra uma população majoritariamente muçulmana. Em 2017, esse total chegara a 2.000.
A Nigéria tornou-se um dos países mais violentos do mundo contra comunidades cristãs nos últimos quatro anos, explica a VEJA Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas no Brasil. Todos os casos de mortes se deram na região ocupada por doze estados que abraçaram a sharia, as regras extremas do islamismo, e que são controlados pelo grupo terrorista Boko Haram.
No estado nigeriano de Plateau, em julho passado, a Câmara dos Representantes chegou a qualificar como “genocídio” as mortes de cristãos por causa da fé. Recordista no país, esse estado registrou 1.885 assassinatos, segundo o levantamento da Portas Abertas.
Segundo Cruz, um dos principais problemas na Nigéria está na descaracterização dos ataques e das mortes como perseguição religiosa pelo governo, que prefere atribuir os crimes a conflitos étnicos e tribais. Na parcela sul do país, as comunidades cristãs prosperam e vivem sem ameaças de perseguição.
“O governo nigeriano não tem tomado iniciativas para reduzir essas perseguições e nem sequer as reconhece”, afirmou.
Outros três países da África – República Centro-Africana (RCA), Somália e Etiópia – figuram nas posições seguintes dos locais mais temíveis à vida dos cristãos. Na RCA, porém, o número de casos caiu de 500, em 2017, para 146, no último levantamento. Ainda assim, o país figura no triste segundo lugar. Em terceiro, a Somália registrou cinquenta mortes no ano passado, mais do que o dobro do período anterior – 23. Na Etiópia, os assassinatos de cristãos saltaram de três para 31.
Nesses três países, as mortes e perseguições a cristãos são impulsionadas por grupos terroristas. Na RCA, atuam o Boko Haram e o Exército da Resistência de Deus (LRA, na sigla em inglês). Somália e Etiópia, entre outros países do Chifre da África, são aterrorizados pelo Al-Shabab, o mesmo autor de um atentado na terça-feira 15 em Nairóbi, no Quênia.
“A falta de oportunidades para jovens nesses países os tornam alvos fáceis de aliciamento por grupos extremistas sauditas que, depois de doutriná-los, os devolvem a seus países de origem para fomentar o radicalismo”, afirma Cruz. “Os radicais muçulmanos atuam em favor do enrijecimento de regras locais contra outras religiões e até mesmo para proibir o acesso de cristãos às escolas e aos empregos.”
Segundo Cruz, a perseguição aos cristãos não se dá apenas nas ações violentas registradas pelo levantamento do Portas Abertas. Há a intolerância expressa no dia a dia que, no limite, acaba por expulsar os cristãos de seus lugares de origem, como acontece com os nigerianos refugiados no Camarões, e a destituí-los de oportunidades. “Conheci lugares, no Egito, onde os cristãos não têm onde enterrar seus mortos. Eles acabam sepultados em locais longínquos.”
No ranking geral da perseguição contra cristãos, que inclui os julgamentos e prisões por causa da fé e a destruição de templos, a Coreia do Norte continua no primeiro lugar, como em 2017. O país que deverá ser visitado neste semestre pelo papa Francisco, chefe da Igreja Católica Romana, não permite nenhum tipo de culto religioso e autoriza apenas a adoração a seu líder, Kim Jong-un.
Segundo a Portas Abertas, apesar do suave degelo das relações de Pyongyang com os Estados Unidos, desde junho passado, não há sinais de melhoria nas condições de vida dos cristãos norte-coreanos – estimados entre 200.000 e 400.000. Entre 50.000 e 70.000 deles estariam confinados em campos de trabalhos forçados.
A China, que está em 27º lugar no ranking geral, é campeã em detenção de cristãos sem julgamento e em prisões. O levantamento de 2019 registra que o país deu esse tratamento a 1.131 pessoas por causa de sua fé cristã. Na pesquisa anterior, esse total era de 134.
Segundo Cruz, Pequim adota um discurso mais aberto e chegou a firmar um acordo com o Vaticano no ano passado que poderia aliviar a perseguição a cristãos chineses. Mas, na prática, seu governo gostaria de retomar as restrições e punições da época da Revolução Cultural. As comunidades cristãs legais têm de admitir a presença de controles policiais em seus cultos. As clandestinas se arriscam à repressão.
“Policiais chegam a pedir o documento aos cristãos na entrada de templos para confirmar se são estrangeiros, autorizados ao ingressos, ou chineses”, afirmou.
As perseguições, entretanto, atingem também países onde a imensa maioria da população é cristã. O México está em 9º lugar no ranking de mortes de cristãos por causa de sua fé no levantamento de 2019, com quinze assassinatos – quase o dobro dos oito registrados na pesquisa anterior. A Colômbia está em 15º lugar, com sete mortes.
Cruz explica que, em ambos os países, além da perseguição de organizações de narcotraficantes, líderes cristãos enfrentam a resistência de comunidades indígenas, que contam com autonomia para fixar regras próprias.
No Estado de Oaxaca, no México, a comunidade de Nueva Jerusalén fixou uma placa na qual avisa os recém-chegados de que a evangelização está proibida ali. No Estado de Chiapas, iniciativas semelhantes são tomadas.