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Morre Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, aos 89 anos

O ícone da esquerda na América Latina estava sob cuidados paliativos enquanto vivia com um câncer terminal no esôfago

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 Maio 2025, 08h16 - Publicado em 13 Maio 2025, 16h21

O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica faleceu nesta terça-feira, 13, aos 89 anos. O político aposentado que foi símbolo da esquerda na América Latina estava sob cuidados paliativos durante a fase terminal de um câncer de esôfago, além de já diagnosticado com uma doença autoimune. Ele desistiu de fazer tratamento em janeiro, quando o tumor fez metástase e se espalhou apesar de 32 sessões de radioterapia.

A informação da morte foi confirmada pelo presidente uruguaio, Yamandú Orsi. “É com profundo pesar que anunciamos o falecimento do nosso colega Pepe Mujica. Presidente, ativista, referência e líder. Sentiremos muita falta de você, querido velho. Obrigado por tudo o que você nos deu e pelo seu profundo amor pelo seu povo”, escreveu em nota. 

Em uma de suas últimas mensagens antes do falecimento, Mujica, lúcido até o fim, previu num relato emocionado a respeito de seu estado de saúde que poderia partir “qualquer dia desses”. Gravado em sua casa, um sítio em Rincón del Cerro, na zona rural de Montevidéu, o vídeo foi uma mensagem de gratidão por ter dedicado sua vida a uma causa, e sobre estar em paz com a trajetória que construiu.

“O ciclo da minha vida acabou”, reconheceu, “mas me reproduzo na voz das meninas e dos meninos que estão aqui, que continuarão a levantar as bandeiras pelas quais dediquei minha vida.”

Considerado um ícone esquerdista latino-americano, passou quase quinze anos preso durante a ditadura no Uruguai (1973-1985), sete dos quais isolado numa solitária, submetido a torturas, e longe dos livros que tanto ama (suportou a solidão, entre outros meios, fazendo amizade com um sapo). Antes de entrar para a guerrilha com o grupo Tupamaros no final da década de 1960, era floricultor, e por décadas forneceu belos espécimes para feiras e lojas locais. Depois, como ex-guerrilheiro, escreveu uma história de redenção com a redemocratização de seu país, que governou entre 2010 e 2015.

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De fala mansa e pausada, Mujica se orgulhava de ostentar o título de o dirigente mais pobre do mundo, o que lhe daria autoridade para cobrar dos mais ricos que façam um pouco pelos mais pobres. Ele doava cerca de 90% do seu salário mensal, de US$ 12 mil, a instituições de caridade que beneficiam os mais vulneráveis e pequenos empresários.

Como presidente, nunca abandonou o estilo franciscano, vivendo num sítio e dirigindo um fusca azul modelo 1982, e avançou na legalização do aborto e na descriminalização da maconha (que ele afirmou jamais ter experimentado). Também lidou com tentativas de corrupção, as quais, segundo ele, foram devidamente rechaçadas. Aos poucos, ajudou a transformar o Uruguai numa das democracias mais saudáveis ​​do mundo, regularmente elogiada pela força de suas instituições e pela civilidade de sua política. Em recente entrevista a VEJA, destacou a necessidade da política mover-se de acordo com a necessidade dos tempos.

“A esquerda brasileira errou, permaneceu estagnada no tempo e presa na literatura de uma época em um mundo que mudou. Esquerda é empatia, é solidariedade e é preocupação com a desigualdade. É sonhar com um mundo um pouco mais justo e com uma humanidade mais nobre. É o que a esquerda tem de mais bonito”, afirmou.

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Depois da Presidência, tornou-se senador, cargo que já havia ocupado de 2000 a 2005. Em outubro de 2020, decidiu se aposentar com um gesto que diz mais sobre ele do que qualquer palavra. Escolheu anunciar que abandonava a ribalta ao lado do também senador Julio María Sanguinetti, estrela da direita que governou o país de 1985 a 1990 e depois de 1995 a 2000, em quem deu um emocionado abraço durante o comunicado (quebrando o protocolo da Covid-19, mas por lá a situação era mais tranquila).

“No meu jardim, faz décadas que não cultivo o ódio, porque aprendi uma dura lição que a vida me impôs. O ódio acaba idiotizando, nos faz perder objetividade”, declarou o ex-presidente uruguaio na época.

Seu legado é maior que sua história digna de filme e do que seu compromisso com a austeridade. Ele se tornou uma das figuras mais influentes e importantes da América Latina, muito por conta de sua filosofia clara e objetiva sobre o caminho para uma sociedade melhor e uma vida mais feliz. Como disse numa entrevista ao New York Times no ano passado, só existe uma vida, e depois ela acaba.

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“Você precisa dar sentido a ela. Lute pela felicidade, não só pela riqueza”, afirmou.

Mujica deixou neste plano a esposa, a ex-senadora e ex-vice-presidente Lucía Topolansky, que conheceu quando era guerrilheira em 1971. Ela cumpriu a promessa de ficar com o marido “até o fim”. O casal, que soube cultivar o amor em meio à guerra com o Estado e mesmo quando perdeu a liberdade durante a ditadura, não teve filhos. Mas as ideias do “presidente filósofo” decerto se perpetuarão, como o próprio previu, nas vozes da próxima geração.

Nos seus últimos anos, após a aposentadoria, voltou a cultivar crisântemos na chácara em Rincón del Cerro. Não foram a única coisa que fez florescer.

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