Metamorfose ambulante, presidente sírio egresso da Al-Qaeda circula na Casa Branca
Um Al-Sharaa em versão ocidentalizada, por assim dizer, contribui ainda para frear na região a influência da Rússia
Menos de uma década atrás, ele despachava homens-bomba na Síria, teve a cabeça posta a prêmio pelos Estados Unidos e se apresentava como Abu Mohammed al-Jolani, cria da Al-Qaeda, o grupo terrorista de Osama bin Laden. Na semana passada, sem o turbante dos velhos tempos, embalado em terno muito bem cortado e usando o nome original, Ahmed al-Sharaa cruzou o tapete vermelho da Casa Branca e até jogou basquete com um par de militares no que foi a primeira visita de Estado de um líder sírio a Washington em toda a história. Aos 43 anos, autoproclamado presidente de seu país em janeiro e tendo se dado um banho de loja, com direito ao aviso de que se desligou do jihadismo, ele chegou ao poder após capitanear uma coalizão de milícias que, em golpe-relâmpago, destronou o ditador Bashar al-Assad e encerrou treze anos de uma devastadora guerra civil nesse pedaço estratégico do Oriente Médio — justamente o que faz o americano Donald Trump e tantos outros recebê-lo com o sorriso largo de quem o tem como peça crucial no xadrez geopolítico.
Passados seis meses de um breve encontro na capital saudita, Riad, quando Trump teceu elogios ao colega “bonito e durão”, Al-Sharaa deixou o Salão Oval, na segunda-feira 10, sem esconder ter cumprido ali sua missão. Ele conseguiu arrancar a promessa de suspensão imediata de sanções que paralisam a empobrecida nação que governa. E pode melhorar: o Congresso americano planeja remover em dezembro os demais bloqueios econômicos em vigor desde a era Assad. “Faremos tudo o que pudermos para que a Síria tenha sucesso”, declarou um afável Trump, que, ao ser indagado sobre a metamorfose de Al-Sharaa, se limitou a dizer que “ele teve um passado difícil”. Os Estados Unidos, claro, saíram vitoriosos em relevantes costuras diplomáticas. A primeira era cooptar a Síria para uma coalizão internacional de combate ao Estado Islâmico, que mantém bolsões no país. Outro ponto que alegrou a corte trumpista foi um muito aguardado aceno à instalação de um escritório de segurança na embaixada americana em Damasco — o primeiro passo para uma base militar no país. “Al-Sharaa é um pragmático e está disposto a fazer concessões para atingir seus objetivos”, resume Neil Quilliam, do think tank Chatham House.
Os acertos firmados no recinto que abrigou a improvável reunião entre Trump e Al-Sharaa miram um horizonte mais dilatado. O sírio precisa de estofo financeiro e apoio político para tentar reerguer cidades inteiras do chão e administrar os bandos armados que controlam até hoje o retalhado território, fragilizando sua posição. Nada mau, portanto, contar com a força tanto militar como econômica dos Estados Unidos, que ainda podem lhe prover, quem sabe, mediação para que o vizinho Israel interrompa eventuais ataques aéreos. Já aos olhos de Trump, a Síria é chave para manter os ventos soprando a seu favor no Oriente Médio, onde se gaba de ter feito vingar um cambaleante cessar-fogo na Faixa de Gaza, que parece ter avançado nestes últimos dias, mas sem garantia de nada.
Um Al-Sharaa em versão ocidentalizada, por assim dizer, contribui ainda para frear na região a influência da Rússia, outrora simpática à ditadura que ruiu, e Irã, que já perdeu por lá um corredor para treinamento militar e escoamento de armas destinadas a milícias anti-israelenses — um baque e tanto. “Os laços com a Síria são vitais para ajudar Trump em seu plano de estimação: normalizar relações entre nações árabes e Israel”, observa o especialista Joshua Landis, da Universidade de Oklahoma. O tema, aliás, voltou à cena na visita à mesma Casa Branca do príncipe saudita Mohammed bin Salman, o MBS, na terça-feira 18, outro de currículo nada lustroso. Nesta complexa teia, Al-Sharaa vem revelando surpreendente destreza em se lançar ao jogo como aliado confiável. Por trás do verniz, porém, está um homem cercado por velhos jihadistas e cujo ministro da Justiça disseminou vídeos pedindo a execução de mulheres acusadas de “espalhar a corrupção pelo mundo”. Eleições ele bem que prometeu, mas empurra como pode com a barriga — talvez daqui a três, quatro anos, diz. Ninguém de bom senso aposta suas fichas no projeto modernizador que garante guardar na manga, mas o Ocidente não tem muita escolha senão engoli-lo.
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2025, edição nº 2971
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