Mais de 160.000 civis fogem da invasão militar turca na Síria
ONU estima haver 70.000 crianças entre os refugiados; combates devem se concentrar em Manbij, no norte do país
A ofensiva turca no norte da Síria contra as milícias curdas desalojou 160.000 pessoas desde terça-feira 8, quando o ataque teve início, informou a Organização das Nações Unidas (ONU). O avanço militar da Turquia começou depois da retirada da região das forças dos Estados Unidos, antigos aliados dos curdos, e já provocou a morte de 88 civis.
De todas as pessoas que fugiram de suas casas devido aos bombardeios turcos, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que 70.000 sejam crianças. Em comunicado publicado nesta segunda-feira, 14, a Unicef disse que suas instalações de atendimento à população no norte da Síria foram atacadas.
“Três hospitais, vários veículos humanitários e uma escola foram alvos de ataques. A estação de abastecimento de água A’louk, que atende 400.000 pessoas em Hasakeh, está fora de serviço”, informou na nota.
A Cruz Vermelha estima que 300.000 pessoas deixarão suas casas por conta do avanço turco na região nos próximos dias. A entidade alerta para a crise humanitária que está por vir nas cidades Hassakeh e Raqqa caso o fornecimento de água seja completamente comprometido.
No domingo 13, um ataque aéreo matou nove pessoas, entre os quais cinco civis e um jornalista curdo, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, entidade baseada em Londres que monitora o conflito.
Batalha por Manbij
No sexto dia de batalha, um aliado impensável juntou armas com o Exército Democrático Sírio (SDF), no qual estão integrados os militantes curdos. O Exército leal ao presidente da Síria, Bashar Assad, entrou em acordo com os curdos e começou a enviar soldados à fronteira para repelir a invasão turca.
O batismo de fogo entre os dois Exércitos promete ser na cidade de Manbij. No momento, rebeldes sírios aliados à Turquia tomam posição em vilarejos próximos a do enclave curdo. A agência estatal de notícias Sana reportou que as tropas do governo sírio entraram na cidade para repelir a ofensiva. Vídeos nas redes sociais mostraram tanques se posicionando pelas ruas da cidade. A rádio local Alkull disse que não havia a presença de tropas do regime em Manbij.
O presidente turco, Recep Erdogan, disse que não irá parar a ofensiva “até que todos os terroristas sejam eliminados”, referindo-se aos turcos. A Alemanha e a França, parceiros da Turquia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), suspenderam a venda de armas ao país até que a ofensiva seja cancelada. Erdogan, por outro lado, disse que a União Europeia estaria apoiando terroristas. Os Estados Unidos preparam a adoção de sanções contra Ancara.
A Turquia considera os movimentos armados curdos próximos de sua fronteira como grupos terroristas supostamente ligados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Os Estados Unidos também o considera terrorista por causa da atuação da legenda desde a década de 1970.
As milícias curdas, junto da Unidades de Proteção das Mulheres (YPJ) — grupo armado composto somente por mulheres —, foram relevantes na luta contra o Estado Islâmico (EI) na Síria. Em 2012, proclamaram a autonomia, e não a independência, da região no norte do país e nomearam-a como Rojava.
Desde então, o Exército Democrático Sírio (SDF) ficou responsável pela custódia de cerca de 11.000 militantes do EI. Por conta da invasão turca, a manutenção dos presídios ficou em segundo plano. Até o momento, ao menos 1.000 militantes aproveitaram os bombardeios e fugiram de suas celas, levantando temores de ressurgimento do grupo jihadista.
No domingo 6, o presidente dos estados Unidos, Donald Trump, anunciou a retirada das cerca de 1.000 militares na região. Trump cumpria uma de suas promessas de campanha, “trazer nossos garotos de volta”, em alusão às forças americanas enviadas a diversos conflitos, apesar de democratas e até republicanos se mostrarem contra a retirada do Exército da Síria neste momento.
A saída americana foi vista como uma bandeira verde para Erdogan colocar seu plano de criar uma “zona de segurança” de 100 quilômetros adentro da Síria para realocar os 3 milhões de refugiados sírios mantidos na Turquia. Com o reassentamento dessas pessoas, o Estado de Rojava seria inviabilizado, e os curdos seriam expulsos para outras regiões da Síria.