Livro milenar que revelou segredos de alcova dos imperadores romanos segue atual
O interesse por uma boa fofoca nunca envelhece

Desde o início das civilizações, os indivíduos cultivam o hábito de falar da vida alheia, uma diversão não raro perigosa que teria surgido para estabelecer elos de confiança nas mais primitivas tribos. Se nos dias atuais a boa e velha fofoca ganha o impulso incomparável das redes, que têm o poder de fazer qualquer minúscula curiosidade reverberar globalmente, convertendo-a em espetáculo, num passado remoto ela era disseminada no boca a boca e tendia a ir sumindo com o passar do tempo. Por isso é notável que alguns dos primeiros registros de mexericos de que se tem notícia voltem a dar o que falar agora, muito bem guardados que estão no livro A Vida dos Césares, escrito em 121 d.C., no qual é desvelada a intimidade de doze imperadores da Roma antiga. A preciosidade acaba de ganhar inédita tradução do premiado escritor Tom Holland, conhecido por sua habilidade em desenrolar o novelo da história com narrativas envolventes, e já chegou à prateleira britânica dos best-sellers.
Quem lá atrás se lançou ao projeto de reunir os segredos de alcova dos poderosos de sua época foi Caio Suetônio Tranquilo (69-141 d.C.), advogado com acesso aos círculos de quem mandava e desmandava durante as eras de Trajano (53-117 d.C.) e Adriano (76-138 d.C.). Suetônio era bom de networking e conseguiu um empurrãozinho decisivo de Plínio, o Jovem, um influente jurista que o entronou no serviço imperial, onde foi acumulando prestígio até galgar o posto de guardião dos arquivos oficiais. Eis que ali estavam muito bem preservadas informações privilegiadas que Suetônio viria a eternizar em rolos de papiro.
Ironicamente, o ímpeto implacável do biógrafo ganha força depois de ele próprio virar alvo de apimentados rumores. Suetônio protagonizou um escândalo ao monopolizar a atenção de Sabina, a esposa de ninguém menos que Adriano. Mesmo sem qualquer comprovação do relacionamento, o episódio despertou a fúria do imperador, que afastou sem dó nem piedade o auxiliar de suas funções, pouco depois de tê-lo alçado a secretário da correspondência imperial. O escriba resolveu então contar o que sabia sem poupar nenhum detalhe. “Somos apresentados por ele aos gostos, manias e excentricidades dos poderosos”, escreveu Holland na introdução do livro.

Os relatos de cunho sexual, daqueles de abalar o império, predominam nas páginas que de pudicas não têm nada. A partida do enredo se dá com Júlio César, dono de um “apetite sexual prodigioso”. O mais célebre de todos os imperadores de Roma, cujo nome virou sinônimo de poder, sentia especial atração por mulheres casadas, o que o levou a receber o apelido de “adúltero careca”, referência à escassez de fios capilares que não parecia ferir sua autoconfiança. Ele também mantinha relações homossexuais e teve tórrido romance com Nicomedes IV, soberano da Bitínia, reino asiático aliado de Roma. O envolvimento entre os dois foi tão avassalador que rendeu ao imperador a alcunha de “Rainha da Bitínia” e uma canção que era entoada pelos soldados: “César conquistou a Gália, mas Nicomedes conquistou César”. Em seus escritos, porém, Suetônio crava que quem mais moveu o coração do imperador foi mesmo Cleópatra. Ele e a rainha do Egito teriam dado explícitas exibições de afeto durante um luxuoso cruzeiro pelo Nilo com destino à Etiópia, onde Cleópatra desembarcaria com toda pompa, mas a jornada não se completou. “Posteriormente, César a convidou para Roma e não permitiu que partisse antes de cobri-la de grandes honrarias e presentes”, conta o autor.
Os relatos de Suetônio lançam à luz comportamentos sexuais distintos dos atuais. Os elos homoafetivos entre homens poderosos eram comuns, o que transcorria em paralelo ao ideal de virilidade perseguido pelos imperadores. “Como figuras militares, eles tinham de seguir o modelo do homem romano durão”, explica Judith Heller, professora emérita da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que há décadas estuda o período. O próximo a ocupar o trono, após o assassinato de Júlio César, foi Augusto, que não se encaixava no figurino do macho imperial e penou. Ele passou a vida sendo ridicularizado pelos gestos vistos como excessivamente afeminados.

Suetônio também desencava uma disfunção erétil de Tibério, que fazia de tudo para contornar o problema. Na aposentadoria, montou até uma espécie de bordel particular na ilha de Capri e, no ambiente decorado com imagens pornográficas, promovia orgias para observar “grupos de meninas recrutadas de todos os lugares, prostitutos masculinos no auge da idade adulta e crianças”. Outro mexerico no campo dos irrefreáveis hormônios imperiais é sobre Nero, que, antes de atear fogo a Roma, alimentou ardente paixão por Esporo, um jovem rapaz com quem se uniu depois de ordenar sua castração. “Ele tentou transformar o garoto em uma mulher de verdade”, conta o incansável fofoqueiro.
Tão excitantes quanto as futricas de teor sexual são as intrigas e conchavos palacianos. Subornos, assassinatos e tentativas de golpe de Estado — tudo isso era corriqueiro nos círculos do poder romano, onde a sucessão de escândalos se alimentava da ambição desmedida de homens que se revestiam da aura de divindade. Tibério promoveu um “reinado de terror”, nas palavras de Suetônio, ao descobrir que o filho havia sido envenenado pela própria esposa. Depois, qualquer um que lhe parecesse minimamente suspeito era torturado ou sumariamente executado. Já Calígula, apelido com o qual Caio adentrou a história, tinha uma lista organizada de membros do Senado e da guarda equestre que planejava matar. O rol de nomes na mira foi encontrado em seus aposentos, ao lado de frascos de venenos os mais variados. “As tramas envolvendo sexo, poder, vaidades e corrupção dão ao leitor moderno uma ponte para fazer a conexão com a realidade atual”, afirma o especialista em história antiga Marcelo Rede, da USP. Quase 2 000 anos mais tarde, a obra de Suetônio segue perturbadoramente atual.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949