O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, abriu a Assembleia Geral da organização nesta terça-feira, 24, com um discurso crítico às crescentes divisões políticas que dificultam a resolução de problemas globais, como guerras, as mudanças climáticas e a regulamentação de novas tecnologias, como a inteligência artificial (IA). Citando a impunidade de Estados em conflitos, a desigualdade e a incerteza em relação ao futuro, ele afirmou que “o estado do nosso mundo é insustentável”.
“Nosso mundo está em um redemoinho e enfrentamos desafios diferentes de tudo o que já vimos, que exigem soluções globais. Mas tensões e divisões geopolíticas previnem a obtenção de soluções”, declarou Guterres.
Destacando que 2024 é o ano em que mais da metade da humanidade vai às urnas, fazendo escolhas que afetarão o futuro do planeta, ele afirmou que os desafios atuais são solucionáveis, mas que é preciso garantir que os mecanismos existentes para resolvê-los realmente funcionem.
“O nível de impunidade hoje é moralmente intolerável. Um número crescente de governos atropela o direito internacional, viola a Carta da ONU, desrespeita convenções de direitos humanos, invade países, devasta sociedades inteiras e desconsidera o bem-estar de seu próprio povo”, afirmou ele, citando como exemplos os conflitos no Oriente Médio, na Ucrânia e no Chifre da África – Sudão e Sahel, mais especificamente.
Guterres pediu uma “paz justa”, baseada no direito internacional, com respeito aos mecanismos que ele disse estarem sendo desrespeitados. Para ele, apesar de todos os perigos que existiam na Guerra Fria, o mundo funcionava com base em regras, e “parece que não temos isso hoje”. A autoridade definiu as divisões geopolíticas atuais e a irresponsabilidade de nações mundo afora como um “purgatório”.
“Gaza é uma tragédia sem fim, e agora o Líbano está à beira do abismo. O povo de lá, de Israel e o mundo inteiro não podem se dar ao luxo de o Líbano se tornar uma nova Gaza”, disse o secretário-geral, referindo-se à recente escalada de hostilidades entre a milícia libanesa Hezbollah e as forças de Tel Aviv.
Reiterando que “nada pode justificar os ataques terroristas do Hamas” em 7 de outubro do ano passado, que deram origem ao conflito na Faixa de Gaza, ele destacou que nada também pode justificar “a punição coletiva do povo palestino”, uma fala que recebeu uma rodada de aplausos. “A comunidade internacional deve se mobilizar para alcançar um cessar-fogo imediato, a libertação de todos os reféns israelenses e a solução de dois Estados”, completou, referindo-se à criação de um país para os palestinos.
Guterres também fez uma crítica veemente à desigualdade social no mundo, aprofundada ainda mais por conflitos, pelas mudanças climáticas e pelo desrespeito aos direitos humanos. Segundo ele, dos 75 países mais pobres do mundo, a maioria está pior hoje do que há cinco anos. Além disso, destacou que o 1% mais rico do planeta possui 43% de todos os ativos financeiros globais. O secretário-geral frisou ainda que a discriminação e o abuso contra mulheres e meninas são a desigualdade mais prevalente na sociedade.
“As desigualdades globais são refletidas e reforçadas até mesmo em nossas instituições globais. O Conselho de Segurança foi projetado pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial. Até hoje, a África não tem representante. Isso precisa mudar”, criticou, acrescentando que mecanismos da arquitetura financeira global, criada há mais de 80 anos, também precisam ser transformados porque “não fornecem mais uma rede de segurança”.
Por fim, Guterres frisou a importância de estratégias globais para lidar com as mudanças climáticas e com o avanço da inteligência artificial. Ele alertou que mais de 80% das metas de sustentabilidade estão atrasadas, criticando os detentores de poder político e econômico por “não estarem dispostos a mudar” e abdicar de seus privilégios.
“Estamos em um colapso climático. Temperaturas extremas, secas, incêndios florestais e inundações não são desastres naturais, são desastres humanos. Nenhum país será poupado, mas os mais pobres sofrem mais. Esses desastres custam até 5% do PIB a cada ano, e este é apenas o começo”, disse ele. “Um futuro sem combustíveis fósseis é certo. Uma transição justa não é. Isso está em nossas mãos.”
O secretário-geral acrescentou estar “honrado” em trabalhar com o presidente Lula, que ocupa a presidência rotativa do G20, para pensar novas estratégias para os próximos anos.