Insegurança alimentar grave triplica em 2020 na América Latina
Situação aumenta alerta sobre falta de proteção social para diminuir impactos da pandemia de Covid-19 na região, de acordo com ONG Ação Contra a Fome
Em um retrocesso em relação ao ano anterior, o índice de insegurança alimentar grave triplicou em 2020 na América Latina, segundo um novo relatório divulgado nesta terça-feira, 23. A situação atinge a marca de 10 milhões de pessoas e aumenta o alerta sobre a falta de proteção social para diminuir o impacto da pandemia de Covid-19 na região, de acordo com a ONG Ação Contra a Fome.
No documento, a organização alertou que, para aqueles que se encontram “sem redes de proteção sólidas em forma de subsídios, a doença é uma condenação à fome para quem vivia da economia informal, perdeu empregos ou encontra alimentos cada vez mais caros no mercado”.
Ainda de acordo com o relatório, apresentado em uma conferência virtual, a América Latina registrou no ano passado o maior aumento relativo no mundo de insegurança alimentar, a má alimentação provocada pela falta de dinheiro, um contexto que mostra que a falta de redes de proteção está criando relações diretas entre a Covid-19 e a fome.
Na América Central, especificamente na área que vai da Nicarágua à Guatemala, apenas uma em cada 10 famílias afirmou não ter problemas relacionados à fome, revelando pelo menos 3,9 milhões de pessoas com dificuldades para se alimentar.
“Mais de 70% das famílias se veem obrigadas a adotar estratégias de sobrevivência, como vender alguns de seus bens, pedir empréstimos e até tirar seus filhos da escola”, afirma Miguel Ángel García, diretor da Ação Contra a Fome na América Central.
No Peru, a ONG identificou que 80% dos entrevistados haviam perdido seus empregos ou reduziram sua renda em 33%. De acordo com América Arias, diretora da organização no país, os peruanos são um dos mais afetados socialmente pela pandemia. Antes mesmo da pandemia, o país já contava com cerca de 20% de sua população dentro da pobreza.
Já na Colômbia, a pesquisa revelou que, de 34.000 famílias, 80% não conseguem cobrir todos os gastos de necessidades básicas e alimentação, enquanto 20% não têm fonte de renda fixa. Segundo John Orlando, diretor da ONG no país, 58% dos entrevistados vivem em situação de superlotação.
Segundo Orlando, uma das soluções mais eficazes para a situação é a entrega de assistência em dinheiro, que cria “uma alternativa digna que dá opção de escolha às famílias sobre suas necessidades urgentes”. Além disso, pagamentos como o auxílio emergencial, usado no Brasil, permitem que pessoas em situações de vulnerabilidade se vinculem formalmente à economia local.
Em relatório divulgado no início do mês, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), já havia destacado que a pandemia provocará um retrocesso de uma década na participação das mulheres na força de trabalho na América Latina. A proporção feminina no mercado de trabalho caiu seis pontos percentuais em 2020 em relação a 2019, atingindo 46%. A participação dos homens também caiu: de 73% para 69% no mesmo período.
Também afetado pela pandemia, o PIB da região diminuiu 7,7% em 2020, com forte impacto em empregos. A Cepal, órgão técnico das Nações Unidas com sede em Santiago, no Chile, destaca que a taxa de desemprego entre as mulheres atingiu ao menos 12% em 2020. O órgão também estima que cerca de 118 milhões de mulheres latino-americanas estão em situação de pobreza, 23 milhões a mais do que em 2019.
A pandemia foi responsável por criar 45 milhões de novos pobres na região e levou 10 milhões de pessoas à situação de insegurança alimentar grave. Segundo a ONU, esse número era de 3,4 milhões em 2019. A região concentra quase um terço de casos de Covid-19 no mundo, mesmo tendo menos de 10% da população mundial.