Ao se observar as imagens de satélites da Nasa, os incêndios na Amazônia parecem bem mais modestos do que as chamas que inflamam a região centro-sul da África. A constatação gerou comentários do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como sua ironia sobre ausência de ajuda da França a Angola, Congo e Zâmbia, os países afetados. Conclusões apressadas sobre imagens de satélite, porém, nem sempre sobrevivem à análise de especialistas.
Parte dos territórios de Angola, da Zâmbia e do Congo estão, de fato, ardendo ao longo de agosto, em queimadas provocadas especialmente por pequenos agricultores. No mês, somaram três vezes mais as registradas na Amazônia – 6.145, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Os dados poderiam levar à conclusão de que a reação internacional sobre os incêndios na floresta amazônica foi exagerada, não fossem novamente os especialistas.
A bióloga Mercedes Bustamente, professora-titular do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), esclarece haver imensa diferença entre os incêndios na África – que se dão em áreas de agricultura não-mecanizada e no cinturão de savana – e em florestas tropicais, como a amazônica, com intuito de desmatamento.
“Há uma eliminação muito maior de biomassa na Amazônia do que na África. Além disso, a floresta amazônica tem uma capacidade de recuperação muito menor do que a savana africana, que está mais habituada à regularidade do fogo, e vai se debilitando cada vez mais com as queimadas”, explicou Bustamante a VEJA. “De qualquer forma, um erro não justifica o outro.”
Felizmente, os incêndios na África não alcançaram as florestas tropicais congolesas. As áreas de Savana afetadas, segundo a bióloga, são de gramíneas. Em geral, a cobertura original é recuperada naturalmente um ano depois das queimadas nesses lugares. Onde há árvores e arbustos, o prazo pode ser maior. Mas na floresta tropical a recuperação pode demandar muitos anos e até mesmo tornar-se impossível.
Outro dado apontado diz respeito às emissões de gás carbônico (CO2) na atmosfera, o principal responsável pelo aquecimento global, durante os incêndios. Na Savana africana, as áreas queimadas depois recuperadas são capazes de absorver volume similar de CO2 emitido durante o incêndio. Na Amazônia, a absorção é de apenas uma pequena parcela.
Segundo Bustamante, árvores e arbustos da Savana africana são mais adaptados e resistentes às queimadas. Têm casca grossa, uma cobertura de cortiça que as isola termicamente. “As árvores amazônicas não têm estrutura de defesa. Quando a temperatura sobe muito, mata as árvores”.
Mesmo as árvores de áreas de transição do Cerrado para a Amazônia, como as do Parque Indígena do Xingu (MT), vão se tornando mais frágeis a cada queimada. “A floresta vai se degradando gradualmente. Quando as chamas lambem uma árvore, elas ficam com cicatriz e, diante de um evento externo forte, como uma ventania, podem cair. Muitas pessoas se valem do fogo como ferramento de desmatamento posterior”, explicou.
Cerrado
Para a bióloga, a situação do Cerrado brasileiro é igualmente crítica, uma vez que 50% de sua cobertura natural já foi perdida. A região remanescente, conhecida como Matopiba por abranger os estados de Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia, é justamente a nova fronteira do agronegócio.
Há pequenas áreas preservadas do Cerrado que estão envolvidas por cinturões urbanos – como o Parque Nacional de Brasília (DF) – ou agrícolas – como o Parque Nacional das Emas (GO) -, sem fragmentos protetores de mata ao redor. Nas áreas de veredas, onde há cursos de rios, a recuperação depois de queimadas é muito mais difícil, como se verificou depois do grande incêndio na Chapada dos Veadeiros (GO), em 2018.