Hong Kong vive situação de caos com greves e protestos
Manifestações em diferentes pontos da cidade indicam escalada do movimento popular pró-democracia, que desafia Pequim
Hong Kong foi palco nesta segunda-feira, 5, de manifestações desafiadoras ao poder de Pequim e se viu diante do caos provocado pela maior greve realizada na cidade desde 1967. Segundo a rede de televisão CNN, mais de 2.330 trabalhadores de empresas aéreas aderiram a uma greve, causando o cancelamento de cerca de 100 voos. As principais linhas do metrô, que atende uma média de 4,8 milhões de passageiros por dia, foram suspensas, e a principal artéria da cidade foi bloqueada.
As manifestações provocadas pela tentativa de aprovação de uma lei que permitiria a extradição para a China de cidadãos de Hong Kong, iniciadas há nove semanas, tiveram nova escalada com a resposta positiva dos trabalhadores às greves. Os protestos se dividiram em sete localidades do território semi-autônomo e atraíram dezenas de milhares de professores, seguranças, trabalhadores da construção civil, engenheiros e salva-vidas, quase sempre vestidos com roupas negras e com guarda-chuvas.
Nessas nove semanas, demandas mais substanciais pela retomada do regime democrático em Hong Kong e reações contra a violenta ação policiais foram incorporadas à causa original dos protestos — o temor de que opositores ao modelo de Pequim sejam extraditados para julgamento na China continental.
“Nunca vi nada assim”, disse o advogado Antony Dapiran, segundo a CNN. “Tivemos protestos em Hong Kong antes, mas nunca tivemos manifestações simultâneas em diferentes partes da cidade como focos de um mesmo protesto”, afirmou.
No bairro de Tin Shui Wai, a polícia atirou gás lacrimogênio contra os manifestantes que cercaram uma delegacia e atiraram pedras nos agentes. A polícia valeu-se do mesmo recurso no Admiralty, o coração financeiro da cidade, em Hartcourt Road e em Wong Tai Sin.
‘Tática de guerrilha’
No domingo de noite, o governo de Hong Kong condenou os protestos. Nesta segunda-feira, a polícia acusou os manifestantes de usarem “táticas de guerrilha” para acabar com a ordem pública. Desde 9 de junho, quando os protestos começaram, 420 pessoas foram presas. A polícia listou ter usado 160 balas de borracha, 150 balas de esponja e 1.000 bombas de gás lacrimogênio desde então.
A governadora de Hong Kong, Carrie Lam, fez um apelo pelo fim da violência. O ministro de Finanças, Paul Chan, alertou para o risco de recessão. “As manifestações dos últimos dois meses e algumas atividade que estão se formando vão afetar a vida das pessoas e os fundamentos do sucesso de Hong Kong e ferir sua economia. A vítima será o público.”
Até o momento, o governo de Pequim não chegou a uma abordagem ideal para o desafio dos manifestantes de Hong Kong, o maior desde o retorno do território à soberania da China, em 1997. Desde o início dos confrontos em junho, o governo de Xi Jinping tem apoiado a polícia de Hong Kong e Lam, a chefe do Executivo local.
“Pequim adotou uma estratégia de intimidação e se manterá à espera, pelo menos até setembro (começo do novo ano administrativo)”, destacou o cientista político de Hong Kong Dixon Sing, destacando que muitos manifestantes são estudantes universitários ou de ensino médio.
Queda de braço
A expectativa do governo chinês é que o movimento pró-democrático perca força, como aconteceu durante a “Revolução dos Guarda-Chuvas” de 2014, que teve como saldo a detenção de seus líderes e nenhuma concessão por parte das autoridades.
Além disso, o presidente Xi deve se abster de adotar qualquer postura antagônica antes de 1º de outubro, data do 70º aniversário da fundação da República Popular. Uma escalada de tensão poderia ofuscar o gigantesco desfile militar previsto para acontecer em Pequim para celebrar a unidade do país.
Outra possibilidade apontada por analistas é satisfazer as exigências dos manifestantes, que pedem a saída de Lam, investigar os métodos da polícia e enterrar definitivamente o projeto de lei sobre extradições, que está suspenso. “Não é impossível que Pequim faça algumas concessões menores em setembro”, afirmou Sing.
Uma dessas concessões poderia ser, por exemplo, o sacrifício de Lam, que se tornou “uma decepção política colossal, tanto no nível local quanto internacional”. Uma reforma do sistema eleitoral para um governo mais democrático parece algo mais hipotético, na medida em que pode levar a não ter mais eleitos pró-Pequim no Parlamento e no Executivo locais.
Na semana passada, a propaganda de Pequim se tornou mais ameaçadora, com a difusão de um vídeo do Exército chinês fazendo demonstrações de operações do Batalhão de Choque nas ruas de Hong Kong. Além disso, os principais jornais da China continental se mostram cada vez mais agressivos em relação aos manifestantes, classificando-os como uma minoria radical separatista.
O incidente de sábado, no qual uma bandeira chinesa foi jogada na água no porto de Hong Kong, foi amplamente divulgado no continente. A publicidade tem o objetivo de reforçar a perspectiva de uma intervenção armada para convencer os manifestantes a ficarem em suas casas.
Xi Jinping “se volta para uma posição mais firme”, afirma o cientista político Willy Lam, da Universidade China, de Hong Kong. “As chances de que Pequim adote medidas não-violentas e uma atitude conciliadora são baixas”, adverte.
Uma via mais enérgica, porém, estimularia a fuga de capitais e de empresas estrangeiras da cidade. Ainda assim, Pequim advertiu que sua guarnição local, com milhares de homens no centro de Hong Kong, pode se ver obrigada a “manter a ordem”, se o Executivo local pedir.
O aumento da violência nas recentes manifestações pode dar o argumento para o Exército intervir, substituindo a polícia. Mesmo ao custo de um desastre financeiro na metrópole e de ampla condenação internacional.
“Isso comprometeria seriamente a legitimidade política de Xi Jinping e do Partido Comunista chinês, tanto em nível interno quanto externo, com uma condenação internacional similar à provocada pela repressão na praça Tiananmen, em Pequim, em 1989”, adverte Michael Raksa, da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais de Singapura.
Para um governo que não tolera qualquer protesto interno, a agitação em Hong Kong “significa uma grave perda de prestígio”, completa Raksa.
(Com AFP)