Hamas estuda plano de Trump para Gaza, mas adianta que texto é ‘totalmente parcial’ a Israel
Grupo terá reunião com Catar e Turquia nesta terça-feira, 30, para elaborar resposta a proposta de paz

O Hamas deve se reunir com mediadores do Catar e da Turquia nesta terça-feira, 30, para estudar o plano do presidente americano, Donald Trump, para o fim da guerra em Gaza. Uma fonte próxima ao grupo palestino adiantou à agência de notícias Reuters que a proposta é “completamente parcial em favor de Israel” e impõe “condições impossíveis” com o objetivo de eliminar o Hamas.
“O que Trump propôs é a adoção total de todas as condições israelenses, que não concedem ao povo palestino ou aos moradores da Faixa de Gaza quaisquer direitos legítimos”, declarou a autoridade palestina, que pediu para não ser identificada, à Reuters.
Não está claro, porém, se o Hamas vai rejeitar o plano, já que isso poderia colocar o grupo em conflito com os países árabes e muçulmanos que chancelaram o texto. De acordo com uma fonte próxima ao Hamas entrevistada pela AFP, “pode levar vários dias” para analisar a proposta de Trump para o fim da guerra, em especial dadas às complexidades de comunicação após um ataque israelense em Doha contra lideranças do grupo palestino.
“O Hamas iniciou uma série de consultas com suas lideranças políticas e militares, tanto na Palestina quanto no exterior”, disse a fonte.
Majed al-Ansari, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar, enquanto isso, disse em entrevista coletiva que se reunirá com negociadores do Hamas e da Turquia nesta terça para discutir o plano “com responsabilidade”.
Freio de Bibi
Em paralelo, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que estava ao lado de Trump quando o plano foi anunciado na Casa Branca na véspera, emitiu uma declaração em seu canal do Telegram nesta terça, em que garantiu que o Exército de seu país “permanecerá na maior parte do território” ocupado como parte da proposta e que Israel “absolutamente não” concordou com a criação de um Estado palestino. Suas falas contradizem dois pontos da proposta (veja mais abaixo).
“Em vez de o Hamas nos levar ao isolamento, nós invertemos a situação e isolamos o Hamas. Agora, o mundo inteiro, incluindo o mundo árabe e muçulmano, está pressionando o Hamas a aceitar as condições que estabelecemos em conjunto com o presidente Trump: libertar todos os nossos reféns – vivos e mortos – enquanto as IDF (Forças de Defesa de Israel) permanecem na maior parte do território”, disse ele.
Netanyahu acrescentou que a criação da Palestina não prevista pelo acordo.
“Somos firmemente contra um Estado palestino. O presidente Trump também disse isso; ele disse que entende nossa posição. Ele também declarou na ONU que tal medida seria uma enorme recompensa ao terrorismo e um perigo para o Estado de Israel”, afirmou o premiê.
O que está na proposta?
O plano de 20 pontos anunciado por Trump colocaria fim na guerra em Gaza, que já matou 66 mil palestinos — entre eles, 440 por fome, incluindo 147 crianças.
Libertação dos reféns e retirada israelense: O documento estabelece que, caso ambos os lados concordem com o plano, as “forças israelenses se retirarão para a linha acordada para se preparar para a libertação dos reféns”, ao passo que o Hamas terá até 72 horas para entregar os sequestrados, vivos e mortos. Durante esse período, todas as operações militares serão suspensas, e as linhas de batalha permanecerão congeladas até que haja uma retirada completa e gradual de soldados.
Libertação de palestinos: Com a soltura dos reféns, o governo israelense libertará “250 prisioneiros condenados à prisão perpétua, além de 1.700 moradores de Gaza detidos após 7 de outubro de 2023, incluindo todas as mulheres e crianças detidas naquele contexto”. O documento também determina que “para cada refém israelense cujos restos mortais forem libertados, Israel libertará os restos mortais de 15 moradores de Gaza falecidos”.
Entrada de ajuda: Em paralelo, Israel permitirá a entrada imediata de ajuda humanitária na Faixa de Gaza. O plano indica que “no mínimo, as quantidades de ajuda serão consistentes com o que foi incluído no acordo de 19 de janeiro de 2025 sobre ajuda humanitária, incluindo a reabilitação da infraestrutura (água, eletricidade, esgoto), a reabilitação de hospitais e padarias e a entrada de equipamentos necessários para remover escombros e abrir estradas”. A distribuição ficará a cargo das Nações Unidas e suas agências, e do Crescente Vermelho, além de outras instituições internacionais. “A abertura da passagem de Rafah em ambas as direções estará sujeita ao mesmo mecanismo implementado pelo acordo de 19 de janeiro de 2025”, informa o texto.
Fim da ocupação: O plano aponta que Israel não ocupará ou anexará Gaza, já que “as IDF se retirarão com base em padrões, marcos e prazos vinculados à desmilitarização”, acordados com os EUA, com “objetivo de uma Gaza segura que não represente mais uma ameaça a Israel, ao Egito ou aos seus cidadãos”. Na prática, diz a proposta, o Exército israelense entregará progressivamente o território de Gaza que ocupa, até que se retirem completamente, “exceto por uma presença no perímetro de segurança que vai se manter até que Gaza esteja devidamente protegida de qualquer ameaça terrorista ressurgente”.
Desradicalização de Gaza: o território deverá ser uma zona “desradicalizada”, ou seja, sem grupos radicais. O enclave passará por reconstrução com apoio de um comitê composto por palestinos qualificados e especialistas internacionais.
“Governo” de transição: A supervisão será feita por um novo órgão internacional de transição, o “Conselho da Paz”, que será presidido por Trump, com outros membros e chefes de Estado a serem anunciados, incluindo o ex-primeiro-ministro Tony Blair. Esse órgão estabelecerá a estrutura e administrará o financiamento para a reconstrução de Gaza até que a Autoridade Palestina conclua um programa de reformas e possa retomar o controle de Gaza de forma segura e eficaz. Até então, Gaza será “governada sob a governança transitória temporária de um comitê palestino tecnocrático e apolítico, responsável por administrar diariamente os serviços públicos e os municípios para o povo de Gaza”.
Reconstrução: Trump falou em um plano de desenvolvimento para “reconstruir e energizar Gaza” por meio da “convocação de um painel de especialistas que ajudaram a dar origem a algumas das prósperas cidades modernas e milagrosas do Oriente Médio”, enquanto “uma zona econômica especial será estabelecida com tarifas preferenciais e taxas de acesso a serem negociadas com os países participantes”.
Anistia ao Hamas: Militantes “que se comprometerem com a coexistência pacífica e a desmantelar suas armas receberão anistia” e “membros do Hamas que desejarem deixar Gaza receberão passagem segura para os países receptores”. Isso desde que o grupo e outras facções concordem em não ter qualquer papel na governança de Gaza, direta, indireta ou de qualquer forma.
Desmilitarização: “Toda a infraestrutura militar, terrorista e ofensiva, incluindo túneis e instalações de produção de armas, será destruída e não reconstruída”, diz a proposta. “Haverá um processo de desmilitarização de Gaza sob a supervisão de monitores independentes, que incluirá a desativação permanente de armas por meio de um processo acordado de descomissionamento, apoiado por um programa de recompra e reintegração financiado internacionalmente, todos verificados pelos monitores independentes”, continua o texto.
Criação do Estado da Palestina: O plano diz que “um processo de diálogo interreligioso será estabelecido com base nos valores de tolerância e coexistência pacífica para tentar mudar mentalidades e narrativas de palestinos e israelenses, enfatizando os benefícios que podem ser derivados da paz”. Embora não preveja a fundação da Palestina, o texto diz que, “as condições podem finalmente estar reunidas para um caminho confiável para a autodeterminação e a criação de um Estado palestino”.
Sem deslocamento: O documento também afirma que “ninguém será forçado a deixar Gaza, e aqueles que desejarem sair serão livres para fazê-lo e retornar”, destacando: “Incentivaremos as pessoas a ficar e ofereceremos a elas a oportunidade de construir uma Gaza melhor”.