Pense em todas as mazelas do mundo. Elas brotam no Haiti com atavismo, como se o destino da ex-colônia francesa fosse sempre a tragédia. A descontrolada pandemia de Covid-19, a escalada da violência entre gangues, uma enorme crise econômica e o assassinato, ainda cercado de mistérios, do presidente Jovenel Moïse, em julho, ficaram para trás na lista de horrores do país com o terremoto de magnitude 7,2 no sábado 14. Pelo menos 1 950 pessoas morreram, mais de 35 000 casas foram destruídas e outras 46 000 danificadas, além da ruína de 25 centros médicos. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 540 000 crianças foram afetadas de alguma forma — golpe doloroso para um canto do mundo em que dois terços da população vivem na pobreza e há escassas perspectivas de educação e emprego. Como se não bastasse, depois do tremor veio um vendaval que impossibilitou a livre movimentação das equipes de resgate. Alguma ajuda já foi enviada, mas teme-se a reprise da situação de onze anos atrás, quando o acidente sismológico devastou a capital, Porto Príncipe, e a inépcia e má coordenação da assistência internacional aos mais necessitados foram atalhos para um devastador surto de cólera. Convém, à falta de socorro adequado, sempre lembrar uma bonita frase de Zilda Arns, a pediatra e sanitarista brasileira, coordenadora da Pastoral da Criança, que morreu no terremoto haitiano de 2010: “Não se enganem, uma gotinha no oceano faz, sim, muita diferença”.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2021, edição nº 2752