Há exatamente três meses morreu Asma Jahangir, uma das principais ativistas dos direitos humanos do mundo, crítica destemida da interferência militar na política e defensora ferrenha do Estado de direito no Paquistão.
Asma sofreu um ataque cardíaco e foi levada às pressas a um hospital em Lahore, onde morava. Ela não resistiu e faleceu no dia 11 de fevereiro, aos 66 anos.
Advogada de direitos humanos, a paquistanesa construiu sua reputação desafiando o governo e defendendo minorias marginalizadas e mulheres. Ganhou reconhecimento internacional por suas denúncias em um país onde vozes liberais e seculares são ameaçadas.
Autoridades e grandes ativistas de todo o mundo lamentaram a morte de Asma na época. O primeiro-ministro do Paquistão, Shahid Khaqan Abbasi, elogiou suas “imensas contribuições para a manutenção do Estado de direito e da democracia e a salvaguarda dos direitos humanos”.
A ganhadora do Nobel da Paz Malala Yousafzai, também paquistanesa, afirmou que a ativista foi uma “salvadora da democracia e dos direitos humanos”. Já o diretor para o sul da Ásia da Anistia Internacional , Omar Waraith, afirmou que ela “nunca vacilou”.
Vida de ativismo
Jahangir nunca teve medo de expressar sua opinião sobre os ataques sofridos por minorias religiosas e mulheres no Paquistão. Lutou arduamente contra as chamadas Leis de Hudood, adotadas em 1977, segundo as quais vítimas de estupro deveriam provar sua inocência ou enfrentavam punições por adultério ou fornicação.
A legislação, que foi revogada em 2006, também instituiu novos tipo de punição, como a amputação, o chicoteamento e o apedrejamento até a morte. As leis haviam sido implantadas durante a ditadura militar do general Zia ul-Haq, em substituição ao Código Pena,l usado pelo mandato britânico antes da independência paquistanesa.
Em 1980, Jahangir fundou com sua irmã, Hina Jilani, o Women’s Action Forum (WAF), que atuou na defesa de Safia Bibi, uma adolescente cega de 13 anos que foi estuprada por funcionários de sua casa e acabou grávida, mas foi condenada à prisão e açoitamento por atos de fornicação. Jahangir defendeu Safia nos tribunais e com muita pressão popular conseguiu convencer os juízes a anularem a condenação.
Também fundou com Hina a Assistência Judiciária AGHS, em 1986, primeiro centro de assistência legal gratuita no Paquistão. Em 1987, participou da fundação da Comissão para os Direitos Humanos do Paquistão.
A ativista também dedicou parte de sua vida à luta contra o trabalho infantil, a pena de morte e a lei da blasfêmia, que proíbe insultos contra qualquer religião, mas é usada pelas autoridades do Paquistão para perseguir e assassinar minorias religiosas, principalmente as muçulmanas.
Em 2016, foi nomeada relatora da ONU para a Liberdade Religiosa e Direitos Humanos no Irã, cargo que ocupou até sua morte.
Por seu trabalho, ganhou inúmeros prêmios internacionais. Foi indicada para o Nobel da Paz, em 2005, condecorada com a Ordem Nacional da Legião de Honra francesa e reconhecida com o prémio da Unesco/Bilbao para a promoção da cultura dos Direitos Humanos. Recebeu também o prêmio Norte-Sul, atribuído pela Comissão Europeia, em 2013.
Sua luta pelos direitos humanos e das mulheres, contudo, também lhe rendeu várias ameaças de morte. Vários anos atrás, teve de enviar sua família para fora do país, após ameaças de grupos militantes.
Jahangir foi presa em 1983, durante a ditadura militar do general Zia ul-Haq, por se associar ao Movimento de Restauração da Democracia no Paquistão. Em 2007, foi mantida em prisão domiciliar pela participação no movimento de advogados que ajudou a remover o líder militar Pervez Musharraf do poder.