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Greta Thunberg: a menina que se tornou o rosto das causas sustentáveis

Em entrevista a VEJA, sueca de 16 anos diz aonde quer chegar com seus protestos e discursos que sensibilizaram governantes e moveram jovens pelo mundo

Apresentado por Atualizado em 26 set 2019, 05h39 - Publicado em 26 jul 2019, 07h00

No início deste mês, no último dia 5, uma sexta-feira, a sueca Greta Thunberg, de 16 anos, matou aula para protestar em frente ao Parlamento de seu país. A manifestação se tornou rotina semanal desde 20 de agosto do ano passado, quando a adolescente cabulou a escola para reclamar da falta de ação de políticos para conter as mudanças climáticas. Assim teve origem o movimento #FridaysForFuture, que incentiva jovens ao redor do planeta a repetir o ato de Greta. O maior desses eventos, a Greve Global pelo Clima, deu-se em 24 de maio, com adesão de 1 milhão de participantes de 1 851 cidades, em 131 países. Sob o frio de 10 graus, Greta estava sentada em frente ao Parlamento no dia 5, quando concedeu entrevista a VEJA por telefone (a conversa começou com vinte minutos de atraso porque os assessores da menina estavam buscando abrigo da chuva). Greta foi alçada ao patamar de símbolo de uma geração preocupada com as questões sustentáveis. Realizou pronunciamentos no Parlamento Europeu, na Marcha pelo Clima de 2018 e até no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em 25 de janeiro. Diante do Comitê Econômico e Social Europeu, afirmou: “Vocês estão agindo como crianças mimadas e irresponsáveis”. Dirigia-se a alguns líderes que, em momentos distintos, já a receberam pessoalmente, como o presidente francês Emmanuel Macron e o secretário­-geral da ONU, António Guterres — e até mesmo o papa Francisco. A seguir, Greta compartilha os motivos que a levam a estar na linha de frente da luta pela conservação da Terra.

Em 20 de agosto, você completará um ano de manifestações em favor de medidas sustentáveis. Seu discurso amadureceu nesse tempo? Aprendi muito mais do que poderia ter aprendido na escola. Descobri, por exemplo, como a maioria das pessoas não tem consciência do que está acontecendo com o mundo. Elas sabem que há algo que precisa ser consertado, que o planeta está aquecendo, que ocorre emissão de gases, mas não fazem ideia das consequências concretas da falta de ação. Nesse ponto, existe uma diferença brutal entre gerações. Em comparação com os adultos, os mais jovens estão dispostos a aceitar os fatos e a promover mudanças. A principal razão é que os mais velhos dizem que o planeta sempre foi assim. Conformam-se com a situação. A juventude não tem o mesmo apego a hábitos do passado e, por isso, se mostra disposta a mudar. Em todo o processo também descobri que os jovens estão realmente preocupados com o meio ambiente. Antes, eu achava que não passavam de egoístas e preguiçosos. Mas minha geração provou que essa percepção estava errada.

Como se informou para se preparar para discursar sobre um assunto tão complexo? Levei anos para entender o tema. O primeiro contato com o tópico se deu quando eu tinha 8 anos, vendo vídeos, como imagens de ursos-­polares sofrendo. Aquilo não saiu de minha cabeça, e foi aí que comecei a pesquisa acerca das mudanças climáticas. Como relatórios não estavam disponíveis de forma fácil, investi centenas de horas para coletar informações. Fui a bibliotecas e li livros como os de Naomi Klein (ativista canadense), James Hansen (climatologista americano) e George Monbiot (ambientalista inglês). Vi filmes como Uma Verdade Inconveniente (de Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA). Conversei com climatologistas, geólogos, cientistas de diversos campos.

Sua leitura é apenas sobre questões climáticas? Você não tem tempo para se dedicar a outros interesses? Infelizmente não me sobra mais tempo para, por exemplo, ler romances. Acabo por me centrar no que considero necessário para servir de base para o ativismo. Mas entrarei de férias escolares e quero escolher uma obra de ficção para ler.

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Não sente que, diante de tantos compromissos e manifestações, você talvez esteja amadurecendo precocemente e perdendo a adolescência? Nunca levei uma vida normal. Tenho síndrome de Asperger, sempre fui do tipo nerd. Solitária, passava meu tempo lendo em um canto. O que mudou é que agora preciso conversar com pessoas, algo que evitava. Hoje, os estudos e o ativismo ocupam praticamente todo o meu tempo. Só nestas férias de verão na Europa poderei relaxar e descansar, o que não faço há muito tempo. Sim, não tenho brecha para me comportar como outros adolescentes. Mas sou feliz assim.

A síndrome de Asperger teve influência em sua decisão de se envolver na militância? Meu diagnóstico faz de mim uma pessoa diferente. Em minha opinião, ser diferente é uma dádiva. Isso exerce um papel no meu interesse pelas questões da sustentabilidade. Parecia que ao meu redor ninguém queria saber das mudanças climáticas e da destruição do meio ambiente. Isso me chamou a atenção. Quem tem Asper­ger possui um superfoco. Consegue se concentrar bastante em um tema. Posso passar horas, dias, fazendo apenas uma coisa. Direcionei minha dedicação a me sentar, ler, compreender. Se fosse igual aos outros, com maiores habilidades sociais, provavelmente eu teria me organizado em uma associação, um movimento único, algo assim. Mas isso não é meu tipo de coisa porque não gosto de estar com outras pessoas e socializar. Então decidi agir sozinha e, daí, surgiram as greves pelo clima. A partir dessa ação individual é que o assunto ganhou a atenção do mundo.

“Há uma diferença brutal entre as gerações. Em comparação com os adultos, os mais jovens estão dispostos a aceitar os fatos e a promover mudanças nos hábitos”

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Houve quem a criticasse, alegando que você seria apenas uma menininha matando aula. Após seu discurso no Parlamento inglês, por exemplo, o jornalista Brendan O’Neil a chamou de “uma jovem mulher que parece uma esquisitona millennial”. Eles agem assim porque sou de fato uma adolescente. E eles são adultos. Não tenho ainda a educação completa para tomar algumas das decisões que eles tomam. Contudo, com o tempo, passaram a me respeitar. Afinal, já tive conversas das mais sérias com políticos em altos postos. Há ainda aqueles adultos que alegam que eu e outras crianças não deveríamos agir dessa forma porque somos jovens. E eles estão certos: não deveríamos estar protestando. Não gostamos de matar aula. Queremos uma infância comum, igual à de todos. Mas sabemos o que está em jogo e que temos de fazer algo para mudar o cenário. Os adultos são os responsáveis pelo fardo que ficou para nós.

Qual o objetivo imediato? Faremos greves até que o mundo implemente o Acordo de Paris. Nosso objetivo é manter o aumento da temperatura em 1,5 grau. Será muito difícil, mas ainda é possível dentro das leis da física. Então, espero que tenhamos sucesso.

O ativismo, com o intuito de despertar a atenção de políticos, seria o caminho para alcançar esse objetivo? Em linhas gerais, todas as decisões que tomamos deveriam levar em consideração quais serão as consequências para o ambiente. Líderes de vários lugares do mundo fazem promessas. Políticos normalmente citam as crianças que fazem greves pelo clima como referência. Nada disso é suficiente. Está longe de ser. Por exemplo, sempre dizem que vão eliminar o uso de carvão em quinze anos. Nesse prazo não será possível cumprir as metas sustentáveis estabelecidas. Nosso papel, como jovens, é despertar o interesse pela crise planetária. E passar uma mensagem: nesse ponto, escutem a ciência.

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Tratados globais, como o Acordo de Paris, assinado por 195 países, inclusive o Brasil, em 2015, são fundamentais ou refletem mais essa politicagem que a incomoda? O acordo representou, sim, uma ajuda enorme à causa. Os atuais planos sustentáveis não funcionariam sem ele. O documento serviu para unir as nações, fazendo com que os governantes admitissem que precisam agir de determinada forma. A maior questão é que o conhecimento que já temos sobre o problema das mudanças climáticas não está sendo usado da maneira mais produtiva. Assim, no fim, desperdiçamos a oportunidade de fazer o melhor que podemos.

“Temos noção das ações de Jair Bolsonaro e de como elas têm sido ruins para a Amazônia. No mundo, alguns países estão fazendo mais mal à natureza que outros”

Onde você vê esse tipo de descaso? O desmatamento no Brasil, por exemplo, aumentou 88% no último ano. Não sabemos exatamente o que está acontecendo em seu país. Na Suécia, porém, já temos noção das ações do presidente Jair Bolsonaro e de como elas têm sido ruins para a Amazônia. No mundo, alguns países estão fazendo mais mal à natureza que outros. Mas é óbvio que nenhum tem feito o suficiente, o que aumenta a necessidade de movimentos internacionais. Pessoas de todas as partes devem exigir esforços coletivos.

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Bolsonaro já disse que os países europeus é que “têm muito a aprender com o Brasil”, insinuando que na Euro­pa já se desmatou muito. Concorda com essa postura? Não se deve julgar o outro antes de tomar atitudes. Em vez de dizermos o que os outros deveriam fazer, deveríamos agir. É assim que a discussão tem ocorrido na Europa. O certo é promover uma união para que todos os países, e não só um ou outro, atuem pela sustentabilidade.

Diante de declarações de Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, Alemanha e Noruega ameaçam acabar com o Fundo Amazônia, uma cooperação internacional de mais de dez anos que visa à proteção da floresta no Brasil. Esse tipo de pressão é produtivo? É difícil as nações se sentarem e concordarem entre si para criar ações conjuntas. Mas precisamos urgentemente dessas colaborações. Elas não podem acabar. Por mais difícil que seja alcançar consensos.

O início de seu ativismo se deu na Sué­cia, um país no qual manifestantes não correm risco físico. Já o Brasil é a nação na qual mais se matam ambientalistas. Só em 2017 — ano do último registro —, foram assassinados 57, de um total de 207 no mundo. Saber que a luta que você protagoniza acaba por levar pessoas à morte é perturbador? Sim. Sei desse fato horrível. Há países em que os manifestantes podem ser presos, ou pior. Admiro muito os jovens que mesmo assim protestam sob essas condições. Fico triste em saber que esses colegas não têm garantida a mesma liberdade que eu tenho na Suécia. Esse é mais um motivo pelo qual nós, cidadãos de países ricos, onde há essa liberdade, temos o dever de nos posicionar. Farei tudo o que posso para também ser uma voz para aqueles que não podem falar.

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Qual profissão quer seguir após concluir a escola? Considero várias. O que já entendo é que tenho de optar por uma área na qual possa ser útil. Gostaria de estudar alguma ciência, mas o fato é que os dados científicos já estão disponíveis. Falta ação política. Só que política é sobre competição, aí as pessoas nem se importam sobre o que se fala, mas sim como se fala. Isso me incomoda. No último ano, porém, compreendi que tive de focar meu presente, e não meu futuro. Por isso ainda não tenho uma resposta.

Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645

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