França diz não estar preparada para validar acordo UE-Mercosul
Setor agrícola francês teme impacto de produtos sul-americanos no mercado europeu; Paris cobra aplicação de compromissos para meio ambiente
A França não está preparada para ratificar o acordo comercial assinado no sábado 29 entre a União Europeia (UE) e o Mercosul após 20 anos de negociações, afirmou nesta terça-feira, 2, a porta-voz do governo francês, Sibeth Ndiaye.
“Vamos observar com atenção e, com base nestes detalhes, vamos decidir”, declarou em uma entrevista ao canal de notícias BFM.
Como fez durante as negociações do acordo comercial entre UE e Canadá, a França pedirá “garantias” aos países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), completou a porta-voz.
“Não posso dizer que hoje vamos ratificar o Mercosul (…) A França, no momento, não está pronta para ratificar”, disse Ndiaye.
O acordo anunciado na sexta-feira 28 por UE e Mercosul é o maior já assinado pelo bloco europeu. No domingo, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o pacto deverá entrar em vigor em até 3 anos.
Na segunda-feira 1, o deputado Pascal Canfin, do partido do presidente Emmanuel Macron, já havia indicado que o voto dos parlamentares franceses para aprovar o acordo ainda não está garantido.
A França é um dos países mais reticentes ao acordo porque teme os efeitos para seu influente setor agrícola, que seria afetado pela grande entrada de produtos sul-americanos no mercado, sobretudo açúcar e carne bovina.
Com o acordo, o Mercosul poderá exportar para a UE quase 99.000 toneladas de carne bovina com uma tarifa preferencial de 7,5%, o que vai enfraquecer a posição dos pecuaristas europeus.
Na França, este setor, muito dependente dos subsídios europeus, afirma que não conseguirá competir com o que chama de “fábricas de carne” sul-americanas.
Os pecuaristas ressaltam as diferenças nas práticas dos dois continentes, que não favorecem os europeus: enquanto na UE as normas ambientais são cada vez mais rígidas, na América do Sul são utilizados antibióticos, hormônios do crescimento e soja geneticamente modificada.
Meio ambiente
No mesmo tom de Ndiaye, o ministro francês da Transição Ecológica, François de Rugy, condicionou a ratificação do acordo com o Mercosul à aplicação por parte do Brasil de seus compromissos na área do meio ambiente, especialmente a luta contra o desmatamento na Amazônia.
“A nova Comissão Europeia e sobretudo a nova maioria no Parlamento Europeu terão que dissecar este acordo antes de ratificá-lo”, declarou.
“Não haverá ratificação se o Brasil continuar com o desmatamento” na Amazônia, disse De Rugy.
O presidente francês, Emmanuel Macron, elogiou no sábado a conclusão do acordo, que segundo ele “vai no bom caminho”, mas ressaltou que ficará “muito atento” à sua aplicação. Também destacou a intenção de fazer uma “avaliação independente” do pacto.
Salvaguarda
Para tranquilizar os agricultores franceses, que denunciam um acordo “inaceitável”, a porta-voz do governo francês recordou que o pacto terá uma “cláusula de salvaguarda” que “permitirá decidir uma interrupção das importações em setores frágeis caso aconteça uma clara desestabilização destes setores”.
O comissário europeu da Agricultura, Phil Hogan, prometeu uma “ajuda financeira” de até 1 bilhão de euros “em caso de perturbação do mercado”.
O documento acordado na sexta-feira entre a Comissão Europeia e os países do Mercosul terá que ser convertido em um verdadeiro texto jurídico, o que levará muitos meses, antes de ser submetido à aprovação dos estados membros no âmbito do Conselho da UE, a instituição que representa os países.
A partir deste momento a UE poderá assinar o acordo de forma oficial, à espera da votação no Parlamento Europeu que levará a sua entrada em vigor provisória.
Em seguida, cada Estado membro terá que aprovar o texto, o que significa que passará na maioria dos casos por debates nos Parlamentos nacionais.
As negociações técnicas para um acordo entre a UE e o Mercosul começaram em Buenos Aires em abril de 2000 e desde então houve mais de 30 rodadas; um processo complexo, mesmo com bloqueios de longo prazo.
(Com AFP e EFE)