EUA e Turquia assinam trégua na Síria, com aval parcial dos curdos
Acordo suspende hostilidades por cinco dias; 300.000 pessoas abandonaram o norte do país desde início do avanço militar turco
O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, conseguiu costurar com o líder turco, Recep Erdogan, um acordo de cessar fogo de cinco dias no norte da Síria, invadida pela Turquia desde a terça-feira 22 e as tropas curdas aceitaram parcialmente o acordo.
Pence disse que o acordo com a Turquia estabelece uma trégua para possibilitar a retirada da região das Forças Democráticas Sírias (SDF), lideradas pelas milícias curdas. Ancara pretende criar uma “zona de segurança” para reassentar os refugiados sírios que fugiram para a Turquia.
Além do cessar-fogo, o acordo estabelece a “zona de segurança” em 32 quilômetros dentro de território sírio habitado pelos curdos. Essa área abrange as cidade de Tell Abyad e Ras Ain, que se tornaram os palcos dos maiores embates entre as milícias curdas e o Exército turco. Mas ainda não há detalhes de quem monitora a região.
O líder do SDF, general Mazlum Kobani, disse que os curdos aceitam o cessar-fogo em áreas em que os conflitos estão se desenvolvendo. Porém, afirmou que “não haverá alterações demográficas na região”. Ou seja, não aceita a expulsão de civis curdos.
O acordo surge um dia depois de as milícias curdas, que defendem a cidade de Ras Ain, pedirem para os turcos a abertura de um corredor humanitário para a retirada de civis presos dentro da cidade.
Desde de que o presidente americano, Donald Trump, anunciou que retiraria o pequeno contingente militar americano do local, que evitava a agressão das forças da Turquia e do regime do ditador Bashar Assad, os curdos buscaram novas alianças para se defenderem da ofensiva.
O SDF acabou por encontrar no regime de Assad um aliado impensável, e, pela primeira vez desde 2016, tropas leiais a Damasco entraram em território curdo. Os russos também vieram à região e tomaram as bases americanas próximas a Manbij, cidade estratégica que liga toda a região norte do país.
Assad não mencionou diretamente o acordo entre os Estados Unidos e Turquia ao ser questionado sobre o assunto, duas horas depois do anuncio do cessar-fogo. Porém, disse que Damasco “vai confrontar a invasão em qualquer lugar dentro dos territórios sírios e por meio de todas as formas legítimas disponíveis”.
A retirada americana foi vista como traição tanto pelos curdos como pelos congressistas democratas e republicanos nos Estados Unidos que aprovaram uma moção de repúdio contra Trump. As milícias curdas foram aliadas dos americanos durante a luta contra o Estado Islâmico (EI).
A relação entre os Estados unidos e a Turquia já estava abalada desde a expulsão de Ancara do projeto da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de construção do caça de combate F35. Os tucos resolveram comprar o sistema anti-aéreo russo S400. Desde a invasão ao norte da Síria, os rebeldes sírios aliados a Erdogan hostilizaram as tropas americanas em retirada. Houve, inclusive, episódios de trocas de tiros entre os grupos.
As tentativas diplomáticas e de pressão americanas pareciam não surtir efeito. Trump anunciou sanções contra a Turquia, porém, Erdogan avisou que não pararia o avanço na Síria. Uma carta de Trump endereçada para o presidente turco vazou na quarta-feira. Nela, o americano ameaçava destruir a economia da Turquia se o país não parasse a ofensiva. A imprensa do Oriente Médio, porém, relata que os oficiais do governo turco jogaram “no lixo” a mensagem.
Desde a última terça-feira 15, cerca de 300.000 pessoas abandonaram suas casas, inclusive 70.000 delas são crianças, para fugir da guerra. Imagens que circulam nas redes sociais mostram o exato momento em que um comboio de civis é alvejado por bombas atiradas de aviões turcos, ao mesmo tempo em que os curdos denunciavam Ancara por supostamente ter utilizado armas químicas em Ras Ain. O Exército turco também é acusado de executar sumariamente lideranças políticas curdas.