Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Esquerdista com origem na guerrilha é favorito na eleição da Colômbia

A novidade tem menos a ver com ideologia e mais com a rejeição ao status quo

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h54 - Publicado em 22 Maio 2022, 08h00

Com eleições marcadas para o fim do mês, a Colômbia se prepara para uma mudança sem precedentes, na qual um candidato de esquerda, que participou da luta armada, deve assumir a Presidência do país ainda sob impacto das cicatrizes deixadas por décadas de violência alimentada pela ação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), e grupos guerrilheiros menores. Senador e ex-­prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, 62 anos, integrou na juventude um deles, o Movimento 19 de Abril (M-19), e passou pela clandestinidade (seu codinome era Comandante Aureliano, personagem de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez), prisão e tortura até a facção se desmobilizar e virar partido político nos anos 1990. Sua expectativa de vitória agora se encaixa na onda de rejeição que varre a América Latina — a cada eleição, quem vai votar (e pouca gente vai) quer mesmo é remover quem está no poder.

Petro aparece com 38% das intenções de voto, ante 23% de seu principal adversário, Federico Gutiérrez, e tem tudo para, salvo surpresas, ganhar no segundo turno, em 19 de junho, e assumir a Presidência em 7 de agosto. Em sua campanha, bate nas teclas da justiça social, da sustentabilidade e do fim do autoritarismo, as mesmas brandidas pelo recém-eleito Gabriel Boric, no Chile, com quem frequentemente se compara. Sob o peso de mais de 220 000 mortos de 1964 a 2016, quando as Farc depuseram as armas, a Colômbia é governada há décadas, em inquebrantável rodízio, por um restrito grupo da elite local. A intenção do senador e seu partido, Colombia Humana, é romper o sistema. Nesse sentido, têm na mira as famílias mais ricas do país (nas suas contas, “4 000 a 5 000 pessoas”) — os alvos principais de uma reforma fiscal que pretende arrecadar 10 bilhões de dólares por ano elevando impostos sobre dividendos de empresas, ativos offshore e grandes propriedades rurais.

O foco nas desigualdades sociais angariou votos para a esquerda em um país onde a paralisação forçada pela pandemia corroeu ganhos econômicos e empurrou 40% da população para a pobreza, e onde um projeto de aumento de impostos provocou greves e protestos durante boa parte do ano passado, insuflando um grau de insatisfação levado às alturas pela selvageria policial na sua repressão. Une-se ao descontentamento popular a incapacidade do governo de combater o narcotráfico, uma praga que nunca deixou a Colômbia, ganhou força em uma longa associação com as Farc e agora faz explodir a criminalidade nos centros urbanos.

DESAFIO - Patrulha em Antioquia: violência após a extradição de narcotraficante -
DESAFIO - Patrulha em Antioquia: violência após a extradição de narcotraficante – (Joaquin Sarmiento/AFP)

No início de maio, apesar da ostensiva presença militar, noventa municípios em nove dos 32 departamentos colombianos registraram bloqueios de estradas e incêndio de carros em represália pela extradição para os Estados Unidos de Dairo Antonio Úsuga, o Otoniel, líder do poderoso Clã do Golfo, que movimenta entre 30% e 60% da cocaína produzida no país. Do outro lado, grupos paramilitares surgidos de confrontos com a guerrilha e hoje ajudando na forma de milícias enxergam na eleição de Petro um risco à ordem estabelecida e fazem ameaças contra sua vida.

Continua após a publicidade

Mais do que a ideologia, porém, o que move a população a apoiar o oposicionista é o cansaço com a situação atual e o desejo de mudança — de preferência, para alguém de fora da elite política tradicional. “Os colombianos estão mais interessados em destronar o status quo do que em votar nos preceitos econômicos da esquerda”, afirma Manuella Libardi, analista da openDemocracy. Trata-se de um movimento de pêndulo, que nos anos recentes vem alternando mandatários na América Latina. Os ventos que, a partir de 2015, sopraram a favor de governos de direita na maior parte da região agora se desviam para o lado oposto: em sete eleições democráticas recentes, cinco foram vencidas pela esquerda (Argentina, com Alberto Fernández, Bolívia, com Luis Arce, Peru, com Pedro Castillo, Chile, com Gabriel Boric, e Honduras, com Xiomara Castro).

O favoritismo de Petro na Colômbia e a diferença, pelo menos no momento, entre Lula e Jair Bolsonaro no Brasil reforçam essa interpretação. “O fato de nenhum presidente ter conseguido se reeleger desde o início de 2020 fala muito sobre o clima do eleitor médio na América Latina. As pessoas querem novos rostos, que tragam novas esperanças”, analisa Patricio Navia, professor do Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Nova York. Em uma região do planeta enfraquecida e distante das grandes decisões, a esquerda que se elege agora terá de fazer um grande esforço para a engrenagem girar novamente — sabendo que, se decepcionar, corre o risco de o pêndulo se mover para o outro lado.

Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.