Após meses do invade-não-invade, Vladimir Putin fez o que pouca gente acreditava que faria: mobilizou sua portentosa máquina militar e cruzou a fronteira da Ucrânia, em fevereiro, deslanchando o primeiro conflito bélico entre países europeus desde a Guerra dos Bálcãs nos anos 1990. Diante do mundo estupefato com a ofensiva da nação armada até os dentes contra o rival infinitamente mais fraco, Putin foi em frente com sua “operação militar especial”, brandindo a esfarrapada desculpa de que era forçado a proteger tanto a Rússia quanto os “irmãos ucranianos” de um ilusório governo neonazista e das ameaças vindas do Ocidente. Em rápido avanço territorial, o Exército russo conquistou cidades-chave, se apossou da maior usina nuclear da Europa e bombardeou a capital, Kiev, matando e ferindo civis. Era para durar uma semana, pôr o presidente Volodymyr Zelensky de joelhos e consolidar o domínio no país vizinho. Faltou combinar com os ucranianos.
Armadas e treinadas pelos Estados Unidos e demais países da Otan, a aliança militar ocidental que agonizava após o fim da Guerra Fria e agora ressuscitou, forças militares e voluntárias ergueram uma inesperada barreira de resistência à invasão e partiram para a contraofensiva. Passados dez meses, a Rússia peleja para manter pelo menos parte do que conquistou, apelando para a convocação de reservistas e, vira e mexe, mencionando o terror das armas atômicas. Na Ucrânia devastada por bombardeios e esvaziada por 7,8 milhões de refugiados, Zelensky, que acaba de voltar de encontro em Washington com o presidente americano Joe Biden, onde agradeceu pela preciosa ajuda bélica, tornou-se um dirigente ouvido e admirado em toda parte. As tropas ucranianas seguem recuperando território, inclusive a importante capital provincial de Kherson, abandonada pelos russos, que, atribulados em terra, marcam presença agora lançando mísseis contra usinas de eletricidade e centros de saneamento e distribuição de água. Havia uma expectativa de que a chegada do inverno inclemente frearia os combates e abriria uma fresta para negociações, mas, por ora, a batalha só fez intensificar. Ainda assim, por mais que domine os meios de comunicação e derrame uma avalanche de fake news alvissareiras sobre o povo russo, está cada vez mais difícil para o poderoso Putin fazer de conta que está ganhando a guerra.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821