Tendo cruzado a linha dos 100 dias de invasão da Ucrânia, as tropas russas concentram sua ação em uma faixa estreita e comprida ao longo da fronteira leste ucraniana — com bem mais sucesso, diga-se, do que na investida inicial, em fevereiro, quando esperavam engolir o inimigo em poucos dias e sofreram baque em cima de baque. Contando com as vantagens de ter aprendido com seus erros, de o fim do inverno facilitar movimentações e de a operação militar ocorrer a poucos quilômetros de casa, as forças vão se aproximando do objetivo de conquistar, em sua totalidade, a cobiçada região de Donbas — e, de quebra, sedimentar o corredor terrestre até a Crimeia, península ucraniana que a Rússia anexou em 2014, mas da qual é separada pelas águas do Mar Negro. A suposta “nazificação” de Donbas, onde o governo de Kiev praticaria “genocídio” da população de fala russa, foi a desculpa de Vladimir Putin para invadir o vizinho, mas evidentemente os interesses de Moscou têm pouco a ver com tão generosos propósitos.
Donbas, abreviação de Bacia do Donets, nome dado tanto a uma cadeia de montanhas quanto a um rio na região, era uma área semideserta até a descoberta e exploração de vastos depósitos de carvão, que levaram à sua acelerada industrialização no início do século XIX, uma mudança alavancada em grande parte por financiadores e mineiros vindos da vizinha Rússia. O compartilhamento de língua e a etnia ajudaram a Rússia a insuflar um movimento separatista em Donbas, que ganhou força depois que Moscou anexou a Crimeia (outro “enclave” de raízes russas na Ucrânia) sem maiores dramas em 2014. Os rebeldes ocuparam uma parte, o Exército ucraniano fincou pé em outra e a economia de Donbas, que respondia por 30% das exportações do país, se deteriorou. Controlando atualmente 75% da região, ante 35% em mãos de seus aliados no começo da invasão, a Rússia toma posse efetivamente não só de um naco da Ucrânia (embora oficialmente o domínio seja de duas repúblicas fantoches cuja independência foi declarada três dias antes da invasão), como priva o país de uma importante fonte de energia, ao custo implacável de vidas de soldados e civis.
Em Severodonetsk, última cidade relevante de fora do controle russo, quase 90% dos prédios foram destruídos e os Exércitos se enfrentaram rua a rua. A população que não conseguiu fugir não tem acesso a alimentos, água e energia elétrica. “A ideia é transformar tudo em um grande deserto e então ocupá-lo”, antecipa Serhiy Haidai, chefe da administração regional, descrevendo a tática de terra arrasada típica da Rússia. “Segundo algumas estimativas, as forças russas superam as ucranianas em proporção de 7 para 1. Se a Ucrânia venceu a primeira fase da guerra, a próxima será bem mais difícil”, ressalta Melinda Haring, do centro de pesquisas americano Atlantic Council. Nas áreas de Donbas que dominam, os russos vêm promovendo a deportação em massa de opositores, ao mesmo tempo que tentam fazer do rublo a moeda circulante, dando indícios de uma eventual anexação à la Crimeia. É muito menos do que Putin ambicionava. Mas para ele, a essa altura, seria uma vitória.
Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793
![Militares russos em Mariupol dominada, mostra uma visão geral da Central Nuclear Zaporizhzhia em Enerhodar, sudeste da Ucrânia, 01 de maio de 2022. Militares russos em Mariupol dominada, mostra uma visão geral da Central Nuclear Zaporizhzhia em Enerhodar, sudeste da Ucrânia, 01 de maio de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL11.jpg?quality=90&strip=info&w=748&w=636)
![Mariupol dominada pelos militares russos em guarda na Usina Nuclear de Zaporizhzhia em Enerhodar, sudeste da Ucrânia, 01 de maio de 2022. Mariupol dominada pelos militares russos em guarda na Usina Nuclear de Zaporizhzhia em Enerhodar, sudeste da Ucrânia, 01 de maio de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL3.jpg?quality=90&strip=info&w=901&w=636)
![Militares ucranianos disparam com uma arma autopropulsora francesa de calibre 155 mm/52 Caesar contra posições russas em uma linha de frente na região leste ucraniana de Donbas em 15 de junho de 2022. Militares ucranianos disparam com uma arma autopropulsora francesa de calibre 155 mm/52 Caesar contra posições russas em uma linha de frente na região leste ucraniana de Donbas em 15 de junho de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL4.jpg?quality=90&strip=info&w=920&w=636)
![Vista aérea mostra as ruínas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, em meio à ação militar russa em andamento na Ucrânia, em 13 de junho de 2022. Vista aérea mostra as ruínas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, em meio à ação militar russa em andamento na Ucrânia, em 13 de junho de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL10.jpg?quality=90&strip=info&w=920&w=636)
![Vista geral da cidade de Mariupol, em meio à ação militar russa na Ucrânia, em 13 de junho de 2022. Vista geral da cidade de Mariupol, em meio à ação militar russa na Ucrânia, em 13 de junho de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL7.jpg?quality=90&strip=info&w=920&w=636)
![Ruínas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, em meio à ação militar russa em andamento na Ucrânia. 13/06/2022. Ruínas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, em meio à ação militar russa em andamento na Ucrânia. 13/06/2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL2.jpg?quality=90&strip=info&w=928&w=636)
![Ruínas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, em meio à ação militar russa em andamento na Ucrânia, em 13 de junho de 2022. Ruínas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, em meio à ação militar russa em andamento na Ucrânia, em 13 de junho de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL9.jpg?quality=90&strip=info&w=920&w=636)
![Militares russos caminham perto da placa de boas-vindas "Mariupol", com as cores da bandeira russa, em 12 de junho de 2022. Militares russos caminham perto da placa de boas-vindas "Mariupol", com as cores da bandeira russa, em 12 de junho de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL1.jpg?quality=90&strip=info&w=928&w=636)
![Vista geral das ruínas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, em meio à ação militar russa em andamento na Ucrânia, em 13 de junho de 2022. Vista geral das ruínas da siderúrgica Azovstal em Mariupol, em meio à ação militar russa em andamento na Ucrânia, em 13 de junho de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL8.jpg?quality=90&strip=info&w=920&w=636)
![Sob o domínio russo, militares guardam o território do porto marítimo de carga em Mariupol, Ucrânia, 29 de abril de 2022. Sob o domínio russo, militares guardam o território do porto marítimo de carga em Mariupol, Ucrânia, 29 de abril de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL5.jpg?quality=90&strip=info&w=928&w=636)
![Vista aérea mostra a cidade de Mariupol, em meio à ação militar russa na Ucrânia, em 13 de junho de 2022. Vista aérea mostra a cidade de Mariupol, em meio à ação militar russa na Ucrânia, em 13 de junho de 2022.](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/06/UCRANIA-MARIUPOL6.jpg?quality=90&strip=info&w=921&w=636)