Considerado culpado por dez crimes pelo Tribunal Federal do Brooklin, em Nova York, o narcotraficante mexicano Joaquín “El Chapo” Guzmán, chefe do cartel de Sinaloa, enfrentou um julgamento incomum ao longo de três meses. Na mesma medida que sua crueldade veio à tona, em depoimentos e evidências, situações típicas de telenovelas e excentricidades revelaram um personagem bizarro perigosamente poderoso.
A condenação foi anunciada na última terça-feira 12, no tribunal protegido por forte aparato policial. No próximo dia 25, sua sentença será ouvida, e não causará surpresa se for a prisão perpétua. Se assim for, El Chapo ainda será beneficiado pelo golpe de sorte de ter sido julgado pelo tribunal de um estado onde a pena capital não é aplicada.
Em mais de 200 horas de julgamento, a promotoria apresentou 56 testemunhas, incluindo 14 pessoas que trabalharam para o acusado. O processo foi uma mistura de filme de terror com telenovela mexicana. El Chapo não usava simplesmente uma pistola, mas um exemplar cravejado de diamantes e com suas suas iniciais. Em uma de suas mansões, mantinha um zoológico privado.
Suscetível a crendices de origem questionável, acreditava que o estupro de adolescentes lhe serviria como uma “vitamina”. E, pior do que acreditar, ele praticou inúmeras vezes o crime hediondo em jovens previamente dopadas.
Aos 61 anos, o comandante do cartel de Sinaloa acumulara uma fortuna estimada em 14 bilhões de dólares.
Armas preciosas
Os promotores de Nova York exibiram aos jurados fotos de uma pistola calibre 38, de uso pessoal do narcotraficante, cravejada com diamantes e marcada com suas iniciais. Não era a única “arma preciosa” de El Chapo. O criminoso tinha um fuzil AK-47 folheado a ouro em seu inventário.
Uma das testemunhas contou que durante uma viagem de férias com sua família, em 2005, o mexicano decidiu levar uma bazuca recém-comprada pelo cartel e praticar tiro ao alvo “para relaxar”.
“Suas vitaminas”
E documentos apresentados aos jurados dois dias antes da sua condenação veredito, o braço-direito de El Chapo, Alex Cifuentes, afirma que seu chefe drogava e estuprava garotas sob o pretexto de que suas relações com elas eram “suas vitaminas” e o “revitalizavam.”
Segundo Cifuentes, uma mulher chamada Comadre Maria enviava um catálogo de fotos de menores para o criminoso e seus sócios escolherem as suas vítimas. Cada uma delas custava 5 mil dólares ao cartel. Durante seu depoimento, Cifuentes também mencionou Maria como a intermediária das transações entre El Chapo e o ex-presidente mexicano Enrique Peña Nieto, que teria recebido propinas do cartel de Sinaloa.
Quarto dos horrores
Outra testemunha da acusação, Edgar Galvan, afirmou que um matador de aluguel (sicário, em espanhol) mantinha um “quarto de assassinatos” na mansão de El Chapo na fronteira do México com os Estados Unidos. No depoimento, colhido em janeiro deste ano, Galvan alegou que Antonio “Jaguar” Marrufo, o sicário do narcotraficante, cometia os crimes em um cômodo com isolamento acústico e um ralo no chão, para facilitar o escoamento do sangue.
Galvan disse que seu papel era contrabandear armas do Texas para o México, e que cabia a Marrufo “limpar” a região de possíveis rivais. Os dois estão presos por crimes relacionados ao porte ilegal de armas.
Rede de amantes
O FBI afirma que El Chapo se apoiava em suas amantes para manter as operações de seu cartel. Graças ao aplicativo de mensagens usado pelo narcotraficante, fácil de ser invadido por forças de inteligência, a agência obteve acesso ao histórico de suas conversas, usado como prova.
Em um dos diálogos registrados, ele e sua mulher, Emma Coronel, fazem comentários sobre o aniversário de seis meses de suas filhas gêmeas quando, segundo o New York Daily News, o traficante disse: “Nossa filha é destemida. Eu vou dar um AK-47 de presente para que ela possa passear comigo”.
Ainda de acordo com uma das funcionárias de El Chapo, Cristian Rodríguez, ele rastreava cerca de 50 mulheres por seus telefones e computadores. Rodríguez disse à corte que o criminoso costumava ligar os microfones de suas amantes, mesmo depois do fim das ligações, para “ouvir o que elas tinham a dizer sobre ele”, detalhou o Daily News.
Uma delas, Agustina Cabanillas Acosta, flagrada em conversas sobre vendas “ininterruptas” e envio de drogas, foi acusada de ajudar o mexicano em suas atividades na região. Ela estava com El Chapo durante uma das operações para prendê-lo. Segundo a polícia mexicana, o narcotraficante fugiu pelado.
Acosta serviu como testemunha de acusação no julgamento em Nova York e, mesmo assim, fez declarações de amor a El Chapo, sentado no banco dos réus. Enquanto ela depunha, a mulher do traficante cacarejava, em uma clara provocação.
Apesar dos relatos sobre os estupros cometidos por seu marido e sua longa lista de amantes, Emma Coronel, manteve-se ao lado do réu e chegou a usar, no dia do anúncio da condenação, um casaco combinando com o de El Chapo como “sinal de união”. Ela pode ser vista aos prantos.